Lembrar das crianças de Gaza tira-me parte da alegria de ver minha filha dançar no quintal de terra com seu vestido de aniversário. Estou aqui debaixo da mangueira e essa melancolia me atravessa os olhos. A mãe de Gaza disse que pede a Deus para morrer, e eu me lembrei que a escravatura atual de Carolina, que perdeu o hábito de sorrir, era a fome, mas a guerra é pior do que a fome. Tudo que vejo sobre as crianças de Gaza tenho vontade de desviar os olhos, e desvio, olho gatinhos e galinhas, bebês e cabras. Quero me desviar da culpa de testemunhar em meu tempo a morte de crianças. Mas sou mãe. Os caminhões que nunca chegam, a ONU, o Hamas, os nomes difíceis e as bombas sem precedentes. Antes eles não atacavam hospitais, antes eles não atacavam escolas. Eu sou professora, devo falar sobre as crianças de Gaza com meus alunos. Mas tenho medo de enlouquecer, tenho medo de odiar o aluno que disser qualquer bobagem sobre as crianças de Gaza, eu posso aturar os absurdos hediondos dos meus alunos todos os dias e dar-lhes sermão, não posso aturar que falem das crianças de Gaza com desprezo. Como explicar que a violência destrói o mundo? Como fazê-los repudiar a violência? Tenho medo de me dilacerar para sempre, irreversivelmente. Amanhã falarei sobre as crianças de Gaza porque perdi o hábito de ser covarde.
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