É festa na minha carne, na carne da cidade. De repente olho pra cima na cara dos orixás que nem entendo, na cara dos orixás por debaixo das contas e não tenho medo. Não sinto mais medo da Salvador que tiraram de mim e eu recuperei. Voltei, minha linda e maltratada, minha suave amiga, nós já fomos pisadas por tantos anos, por esses homens. No entanto, há uma coisa em nós que não se coloniza, aquilo que faz tudo girar, deixa a gira girar, balanço os quadris, mostro a minha pele, me dê a sua mão, pois eles não podem mais nos levar nada, entende? Nós estamos juntas outra vez. Você alimenta o meu espírito no mar, daqui vejo as ondas trazidas pelo navio pirata, não existe nada igual nesse mundo, sabe? De repente olho pra cima, pela janela do carro, e vejo a verdade das árvores centenárias pelas quais sempre passei. Eu só precisava de um ângulo diferente, essa era a grande chave, aquelas árvores gigantescas, bifurcando-se céu acima e terra abaixo, com suas cortinas verdes dançarinas de vento, com sua pele de musgo, aquelas árvores já foram sementes obstinadas pelo sal da vida. Aquelas árvores sabem dizer sem nenhuma palavra, eu só precisava de um outro ângulo, talvez mais custoso de encontrar, leva tempo para enxergar a leveza. Estou aqui, minha cidade tardia, olhando pra cima, ouvindo os tambores também de dentro, sambando meus pés no seu chão, não quero me entorpecer tanto, é festa no meu corpo e eu quero sentir. Todas as cores e brilhos são espelhos d'alma. Visto a minha fantasia, de repente vivo a minha fantasia, uma sereia sagrada que aprendeu a cantar. Te amo, meu carnaval.