sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Há uma criança na beira da praia
que não me deixa dormir
tem os olhinhos embotados de areia,
o pulmão cheio de água e esperanças devassadas
tem a boca pequena desbotada
e carrega um horror
feito de muitos horrores
ainda assombrados

Viro de um lado a outro
e lá está seu corpinho inerte
engolindo a espuma dos meus lençóis
Fecho os olhos com força
e ela está sem esforço
presa ao lado de dentro das pálpebras
Olho o teto vazio
ele está cheio de crianças afogadas
Busco a janela para a rua
em cada poça há um Aylan
de ombrinhos curvados na superfície

Há uma criança prostrada no meio do nosso sono
revestida de sal, vergonha e culpa
Vejo-a erguer os bracinhos miúdos
pedindo abrigo
Mal entendo seu dizer
e nem quero entendê-lo
Calma, anjinho, já volto
Viro-me para sequer um adeus
Mas as minhas pernas tornaram-se areia
Deixo a criança morrer na praia

Acordo
Mas o desejo é de dormir para sempre.