domingo, 11 de maio de 2008



Deitada no meio da passagem da casa, repuxando, abocanhando o fôrro do sofá. Ela aprumava as patinhas e ora largava-as, tão pouco se importando se se soltassem do corpo. "É que me cansei por bastar". Aqueles olhos serenos, mais espertos do que um dia meu maior alarde permitiu-me ter. E tanto enérgicos. E um mundo me falavam. "É que tenho sede" - retrucava a língua dependurada a pingar no tapete. Eu então enchia a bacia de água só pra ver desaparecer seu focinho sedento.
Resolveu levantar-se (tinha alguém mordiscando sua orelha) antes que começasse aquela toda balbúrdia. Olhei-a, ela fitou-me. Nossas palavras invisíveis. O pêlo encontrou o afago repousado na mão. É que ficas assim, entendendo-me como nem eu mesma.
Ela não é "minha". Porque há de se pôr tantos pronomes, se respira e ama como eu? Aquele suspiro disse-me 'obrigada'. Todo meu afeto transbordou-se. Que dirá meu coração quando ouvir este balbucio?
De repente sacudiu-se pra espantar a mesmice. Correu pra rua num tempo só. Seu faro rastrejou amor dos seus. No ao longe, perto daquela árvore. Ele era robusto e "cheirava tão bem". Patas alongadas, ele esperava permissão, todo empertigado vi aproximar-se, ela reparava e talvez pensasse "será sim, será". E enrolaram-se num só laço. Pula, morde, salta. Sem pórens, pudores e pausas. Obedecem instintos. São livres até que o frenesi os acalme as vontades.
Ela volta com satisfação ofegante. Arritmia, mais sede, fome. "O que será que me puseram hoje?" Abanando-se inteira num quase sorriso. Ela é linda de se admirar...
E nos chamam 'humanos' sem perceber a vaga ambigüidade que guarda a imperfeição do substantivo...


Imagem: Shely