quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Do inapreensível

Preciso que a cor rosa
Fosse feita apenas para o céu
Mas já puseram-na às roupas
Revolto-me

O ser humano não havia nunca
De alcançar as cores que só na natureza.
Então num milagre olharíamos
O céu roxeado amarelo
E iríamos todos chorar
As boas aventuranças

Intento que há o fúcsia carmim colorado
que ninguém jamais tocará
está no útero de uma concha profundíssima
Dentro do navio
Do mais antigo naufrágio

Amanhã
Um velho pescador terá de volta na rede enroscadas conchas
Para abri-las com muito cuidado
Embora
Perceba que mais uma vez
Não pescara o segredo
A cor daquilo que não tem nome.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Nunca mais produzi depois que se me deu
esta coisa chamada trabalho
Nunca mais uma estrela
ou palavra bravia
Todas as palavras estão mansas
Eu também

Acordo e um gosto amargo na boca
Não há tempo
Tudo diluiu-se na concretude
Tudo dissipou-se e é dureza
A vida é maquinal
O tempo, este é surdo
Não cabe o teu anseio,
teu anseio é fraco e pequeno
e triste o destino das horas

A mulher cansada
O homem cansado
As pessoas cansadas voltam
e não fazem amor

Um senhor morreu esfaqueado
A tragédia alimenta as famílias do país

É preciso extrair do homem
todas as suas únicas forças
E dar-lhe sangue alheio
dar-lhe vida pela morte do outro

Os homens são infelizes
e odeiam as segundas-feiras
Nunca mais viveremos
depois deste fardo

Pisaram na flor nascida na calçada
Ninguém a notou
Como é triste morrer deste modo.