sábado, 29 de fevereiro de 2020

O verdadeiro desastre

O verdadeiro desastre natural
é deixar um bebê chorar
sozinho no universo
tecendo a noite com o fio do desamparo

É supor que a borboleta prefere
que rasguem-lhe o casulo

É isso que estão a fazer
nestes tempos tecnológicos

As mulheres veem os lobos a correr
e não lhes seguem
Elas também quebradas por dentro
há muitos séculos

A maior violência
mãe de todas as outras
É não saber amar aqueles
que vieram do teu ventre
E os que não

Todos os seres são carne de tua carne
Está é uma verdade quase impossível de alcançar

O planeta é desastroso.

Uma luz e outra

A mulher que dá a luz a um filho
não pode dar luz também ao pai
Pois a luz que se dá ao homem queima-o
E o deixa em total escuridão

Toda a luz está para o filho
Como todo pai deve estar para a mãe
Pois, afinal, já não temos aldeias

Por que é tão difícil cuidar?














Coragem

Eis aqui um pedido
a todos os amigos
que nasceram escritores e,
por força capital,
acabaram por se tornar
professores de língua portuguesa

Heterodoxos por fatalidade congênita,
mas não custa lembrar,
o nosso amor pela palavra é capaz de acender o coração do outro
Por isso é imprescindível,
É urgente
Façamos um livro para o mundo
Nada importa mais que assumir seu destino
E deixar aqui o filho, a árvore, o sangue
Um livro
Para o futuro que jamais seremos

Só assim, despidos,
Poderemos acariciar os cabelos de deus