quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Senhor,

Que esta prece, restos do mais profundo impossível, não permaneça de linhas fugidias. Que a minha súplica enlace ouvido intercessor e que este santo se afeiçoe aos meus bobos padecimentos, porque são os únicos que tenho e sobre os quais posso discorrer.

Senhor, faça brotar em mim o afã dos bons humanos. Que a minha vontade não teime em ser temporária, não seja tão nuvem faceira, tão inconstante, para que a mão não canse e eu possa dizer que obtive a glória das conquistas.

Que a lágrima escorra necessária, não tão inútil, dramática em demasia, para que eu possa ver que dentro são vazias as tempestades. E que lave, que passe, que seja rara a lágrima avermelhada.Que lástima não encontre casa em meus olhos, que lamúria não apeteça minha boca. Alveja, Senhor, minha alma. Que se tornem amigos os ínvios caminhos. Permita que eu tenha morada, se outro não há.

Tira-me este pudor de escolher, tira-me esta fraqueza diante dos meus. Traga-me o doce da paz-ciência.
Que eu não me feche para a caridade, que eu guarde em mim o dom dos animais. Não atine que eu caia apavorada diante do mal, nem que eu hesite perante o niilismo, porque uma quase descrença já é sofrer de mais. Que eu resista diante do poço que a tudo consome chamado tristeza. Que o belo não seja minha pior armadilha, se até mesmo a consciência não suprime seu perigo. 
Desfaz-me das mortalhas.
Exila-me as vontades frustradas. Que eu não seja cão preso e que me atire no baile sem pressa. Que eu aconteça.
Que eu não me esqueça de contemplar tudo que é vívido e tudo que brilha.
Que ao meu lado, um anjo, também de joelhos, capture no ar as palavras que me saltam e ao afagá-las retire do sumo os balbucios ralinhos.
Vê-me? Preciso tornar-me o que sou e nunca fui. Não tão assombrada de parecer sozinha no mundo. Força. 
Em hora da vida que me resta, deixa eu acreditar que família é baluarte.

E, em hora de minha morte, deixa eu me lembrar que posso segurar suas mãos.
E por favor, Senhor, exista outra vez!
Eu preciso te orar muito mais.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Querido vampiro,


"Há três dias, afeiçoada à velhinha, não foge a mosca por entre as grades da janela."
 Dalton Trevisan

Você poderia contar-me
um cessar de solidão
Da minha
Ajude esta confusão
Diga-me!
Como ser um
sem estar só?

(pensamento)

Ou quem sabe, vampiro
Juntamo-nos depois
Podemos inventar uma solidão
Pra cabermos nós dois





quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Tô de mudança


(As mudanças interiores são bem mais lentas do que o curso dos rios e tanto mais rápidas do que nossa apreensão. Quando nos apercebemos dos seus primeiros sinais, há muito lá estão alojadas, em processo fecundatório. O tempo anda a lhes dar as mãos. E ao meio-dia de uma idade humana, creio já ser possível colher algumas delas.)

Hoje eu mudei só por respirar.

E você?
Tem casa no mundo?

Pra você

Dependurado na barra da minha saia de papel
Ele procurou pontos de seguimento
no labirinto-do-que-eu-não-disse.
Gritei, discordei.
Ele chamou "entrelinha".
- Ora! Invenção também existe.
- Mas que bobagem, Inácio!
Leite de pedra é tão amargo.

sábado, 6 de novembro de 2010

O que querem os homens



Cansei disso!
Dessa esqualidez, dessa magreza quase sem exceção, dessa abundância estratégica de carne. Mas que pulsos e calcanhares mais rebeldes! Acabarei com os dois, dias roliços me hão de chegar!
Cansei dessa hipocrisia, mãe! Quero uma robustez não condizente com meus ancestrais, quero os doces prazeres da futilidade estética.
São os homens, mãe. Os homens não desejam minha cabeça, eles não podem comer meus poemas, porque poema não se come, entendeu? Pobre de um poema diante de uma bunda.
Vou correr ao prato de feijão que você me preparou.
Que tudo o que os homens querem é a superficialidade do amor.




segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Esmorecer

Não, não pôde mais meu coração
Viver assim dilacerado
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Eu poderia morrer
Eu juro
Ouvi-la cantar assim
É já um princípio

Não que eu mate a mim
Não há cá vocação,
Mas se acaso a morte resolve
deitar seus olhos funâmbulos
- Mansos e terríveis - sobre mim
Eu me entregaria num sorriso triste

Não te orgulhes desse cantar, Elis
Trazes a morte nele enredada

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A derramar melancolia em mim
poesia em mim




Elis e Tom - Modinha:  http://www.youtube.com/watch?v=-NdnPv_frPw