domingo, 11 de abril de 2010

Eurídice e Orfeu

"Solidão, que poeira leve"
(Tom Zé)


E você derramou pelos dedos todo aquele fel de quem vai e vem, como um véu azul-límpido.
Eu, Eurídice, lacrimosa e pulsante, você era a música a conduzir-me do Hades.
Você sustentou esses olhos de lástima nos meus, mas é quase insuportável prender por tanto tempo assim, é quase loucura, é quase perdimento. Eu não pude, não pude, juro.
Porque os olhos são sempre feitos de pedra castanha, por vezes tingida de tons coloridos. Suas pedras diziam que me levarias pelo caminho.
O desconsolo daqueles minutos era um deus revoltado dentro de mim. Mas voltei-me para deitar-me em teu sêmen, e no cheiro de outras maçãs apodrecidas recostar o corpo agora só.
Eu emurchecida, a preparar um banho quente, a borrifar novos perfumes (que não me façam lembrar que jamais poderei esquecer-te em tuas partidas).
Você, uma razão maior, um desafio, um pomo que florece em meses primaveris.
Segurou minhas mãos para colher-me,
Acabou por levar minha flor maracujina.
Você artesão, você meu.
Meu ponto de certeza na história,
Você Orfeu.