quinta-feira, 24 de junho de 2010

Tarde inoculta

Mais sabe você do que os que me chegam antes pelos olhos.
E mesmo a pintura que eu mesma produzi tem seus traços a delinear por cima.
E sinto gratidão ou frenesi ou um tanto dos dois, se afinal ainda prevalece a vaidade (de que me leiam), ou do contrário encerraria-me outra vez numa alcova de palavras murchas.
Mais sabem os como você do que os que invadem-me o círculo delicado da pessoalidade, sem que eu consinta, por forças naturais que não as minhas.

Não me deixe desaparecer!
Tendo a escrita como causa maior, não existo porque escrevo, existirei se me lerem...

Não tenhas dúvida da poesia disso tudo.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Bucólicas

"I feel your racing heart
My liquid silver arms extended
These waves aren't far apart
Black gold in clawfoot tubs unchanging
I am fire, where's my form?
Whisper crimson I intrude
There's light beneath your eyes
New overtones in view
Endless form, endless time"
(MGMT-4th Dimensional Transition)

      








Corríamos nus, flutuantes por árcade colina, quase a pisar a relva, contornávamos horizontes em movimentos de bicho-preguiça, languidecidos, não tínhamos músculos. A nossa carne era polpa branca das pitombas, nosso sangue seiva verde, pulsando em finas veias doiradas, corriam pelas costas cabeleiras de melgaças raízes.
      Corríamos envelhecendo invertidos, o suco dos olhos rejuvenecia-se, apequenenávamo-nos a cada passo, mas tínhamos os dedos meus nos seus nascidos gêmeos siameses.
      Meus mamilos ardiam ao sol e sua saliva amainava a brasa. Era um ciclo bonito passar meus dedos livres dentro de seus lábios para recolher meu alívio, ou de encontro à sua boca calidecente meu seio tombar e se umedecer. Você era um refúgio tecido de frescas begônias.
      Ao sermos arfantes, repousávamos nos grandes lagos que escorriam do útero das árvores. Dois seres pequeninos e luminosos afundados na doce gelatina arbórea. E era ali, entre as folhas e penugens, que nossa membrana rompia-se fazendo-nos aglutinados e, livres da matéria, éramos mais intensos, éramos eu, você e lago num único tempo. Depois dessa pequena morte, compunha-nos de novo para seguir jornada, um quase voo ébrio; e para a nossa visão a floresta abria-se em cores outrora desconhecidas, os pássaros acima tinham fortes tons azuis que demoravam-se roxos, grenás até desaguarem no vermelho mais vivo. As copas balançavam-se salpicando todas as tintas, nós ríamos, devaneados, da música colorida a inebriar a selva. E bailávamos, correndo sempre, menores e menores a cada salto, tanto diminuídos que, de baixo, acenávamos aos insetos, tudo agigantava-se num piscar que chegamos à pergunta de que sumiríamos n'alguma poça oceânica; e nos concluímos felizes.
      Ao nos depararmos com uma lagoa rosa-azulada vinda dos anéis de duas árvores imponentes, decidimos nela desaparecer. Mergulhamos os pés, em harmonia, que derreteram-se em contato com a água. Nós dois nascidos ligados, a soçobrar os corpos como se descasca fruta.
     Misturamo-nos polpa carne seiva cabelos e veias; e morremos infinitos.   


Imagem: Across The Universe - Julie Taymor