sábado, 27 de abril de 2013

1.

Se eu te disser o porquê dessas unhas negras, tu não acreditarias. A rígida entrelaçadura das carnes, o corpo enfermo de tanta brasa, estes calos internos, tudo são mistérios a acumular-se nas vigas da casa. Mais quatrocentos ocultamentos para minhas palavras sem nome. Como as cores que os olhos não veem e permanecem, quasevivas, quasemortas, no indizível.
Meus dentes alheios de comunicação vigorosa - os frutos são sempre tardios - insistem nos maços de flores. Mastigo mil pétalas e, ainda precária, deito-me aos pés das roseiras. Intento tocar o corpo da vida que me escapa, correr ao jardim e cavar as madrugadas. As rosas me olham. Quando é que me apartei do mundo? Então atravessa, quase inocente ao negrume da noite, aquela ave soberba, de penas tão impossivelmente escuras que demovem minha melancolia. Aquela ave - penso eu - tem a cor do exato momento em que à noite as mulheres são mais solitárias.

2.

Se eu fosse uma ave, não me aperceberia de mim e talvez não trouxesse rígida a carne, o corpo enfermo, o peso devasso das dúvidas humanas. Chocaria meus ovos de paciência porque assim seria. Não teria de explicar o negro das unhas. O coração é um pedregulho que, longe do diamante, não lapidou-se, sofreu muitos golpes de marreta quando pedra e reduziu-se. Afasto assim as lágrimas pensando no coração-pedregulho; gesto mais sem razão, como sem razão são as aves. Degolei todas aquelas rosas para comê-las. Porque vejo eu razão nas rosas? Afinal, se há coisas sem nome, é que passo muito tempo a imaginá-las. Se não o fizesse, elas não haveriam. Porque me fizestes, Deus, mais pergunta e menos mulher?

3.

Se um dia eu morrer de repente, afundem-me rápido debaixo das roseiras. Fiz da morte de minhas flores um cobertor. Quero ter o corpo morno para sempre.