sábado, 2 de dezembro de 2017

Parque 2

Para Neldo

E havia Nestor, a quem minhas letras tímidas tentam se redimir. Diante de tanta força, de tanta grandeza e memória, acredito em mim porque acredito nele. Porque qualquer voz é capaz de atravessar paredes. Porque nascemos no tempo da bondade e ele gosta de decorar os versos que eu finjo saber também. Margarina, piscina, gasolina, Carolina. De repente fico boquiaberta por vê-lo tão crescido. Nestor segura a minha mão e sabe entender, mostra-me os poemas que me fazem chorar pela dor de existir. Gostaria de dar-lhe horas de sono se sono pudesse ser embalado em papel de presente. Dorme um pouquinho, Nestor. Come um pouquinho, também. Feito uma mãe besta. Invés disso, saímos notívagos para dançar até acabar os sapatos.
Tenho medo de que o mundo te quebre, sim. E que eu não saiba sustentar seus ombros erguidos. Tenho medo de dizer tudo errado, talvez eu esteja dizendo. Por favor, não se quebre. Ou me deixe saber de um modo muito objetivo caso qualquer furacão esteja passando. Estale seus dedos na frente do meu rosto, faz uma banda tocar e põe um outdoor na frente da minha casa. Te amo muito, Nestor. Espiei debaixo da tua máscara, me perdoe, fiquei extremamente emocionada de novo. Você é tão lindo e eu tenho tanto orgulho. Tudo que eu mais gostaria é te retribuir ao menos uma parte do que você é. O que você faz em mim não tem nem palavra.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Crianças dormem em creches
sobre lençóis dispostos no chão

nenhuma indignação jamais será capaz
de mudar o fato de que
crianças dormem em creches
por cima da desumanidade

Você é uma formiga que apaga pequenos incêndios
cheia de várias rebeldias
que precisam ser sufocadas

É melhor carregar teu grão de açúcar
mirando as antenas sempre para baixo
para não perceber que
crianças em creches
almoçam bolacha Maria

Você é uma centelha pairando sobre a cratera
o teu labor insignificante
não irá mudar
absolutamente nada

As crianças sorriem e te abraçam
porque ainda não sabem dizer a palavra futuro







segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Meu deus sou eu

Deduzem-me ateia
pois não converso
não professo e
não anuncio

Falar de deus para mim
é como falar do meu sexo
Uma coisa que
só diz a meu respeito

Às vezes gostaria de não ter nenhum deus
mesmo reservado e discreto
apenas para afrontar
estes religiosos
e seus deuses estúpidos
homofóbicos
e bárbaros


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A mãe acha que
devo saber lavar bem
a louça, arear panelas
Engomar roupas,
Dobrá-las perfumadas
Trocar os lençóis
no tempo correto
Porque existe um
tempo correto
para todas as coisas

Eu cresci para
acreditar que
eu venho em
primeiro lugar
porque este é o meu tempo

Entretanto
A vida é espelho que não se transpassa
Muitas outras mulheres
que me são anteriores
riem de puro cansaço

Há aquelas que
não se podem dar a esse luxo
de ser tão egoísta

Há então
esta revolução raivosa
e cega
comprando brigas
dentro das casas
pousada num trono
Infactível
feito de privilégios

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Toda mulher é um deus.

domingo, 13 de agosto de 2017

Perdão por ter os olhos abertos demais
que me impedem de amar-te de um modo desmesurado
Havia um homem.
tinha três filhos
mas nunca pôde segurar seus bebês
por medo de lhes quebrar
O homem amava seus filhos
mas achava que tinha o direito de
não cuidar inteiramente deles

Havia um homem
tinha duas filhas
preocupava-se apenas em vender suas novilhas
para dar de comer às meninas
O homem amava suas filhas
mas elas ainda não sabiam
que "fruto de trabalho" era gesto de amor

Havia um homem
tinha uma filha
que gostava de se sentar à cabeceira da mesa
na hora do almoço e do jantar
O homem amava sua filha
mas ordenava-lhe que saísse de seu intransferível lugar

Havia um homem
tinha um filho
que cresceu e também foi homem
havia também uma filha
que cresceu e escolheu não ser

Havia um homem
e havia uma mãe
que lavava, cuidava, cozia
deitava, servia, ninava,
passava, entendia, limpava
e amava

Enquanto o homem seguia



Homens sem nenhuma importância

Rejeito a importância de homens muito importantes
Devemos sempre falar seus nomes
apertos de mão, abraços, palmas, copos d'água
Pois são melindrosos e infantis

Eles andam cansados
de não enxergar pessoas,
só cargos
E desaprendem a escrever
(no dia em que eu atingir a importância
que me privará de escrever minhas palavras
com as minhas próprias mãos,
terei, por certo, morrido)


Estes homens muito importantes
caminham sobre o suor e os ossos
de mulheres e homens sem nenhuma importância



sexta-feira, 28 de julho de 2017

Está um vento tão forte lá fora,
nessas horas aprumo os ouvidos
pode ser deus tentando nos dizer.
a minha cachorra no meu colo dormindo
eu invento outro nome que lhe seja mais literário
Cachorra Eulália
Fica como rodinha
enfiando o focinho nas patas
Mas não decifro nada.
o vento derribou a cadeira de palha
lançou no ar a areia do gato
as folhas da mangueira ficaram espreguiçadas
Talvez sejam os olhos de Eulália
Acorda, Eulália
a voz do vento é a voz de deus
e como assusta




terça-feira, 20 de junho de 2017

Quando leio uns poemas
de mil novecentos e setenta e seis,
é como se eles ali me esperassem
até o dado momento
e respiram tranquilos e alegres
- desdobram suas saias,
remontam seus leques -
Que bom que você finalmente veio

Tudo que é poesia
te dá uma certa surra na cara
Por alguns segundos, imóvel,
A alma verde de novo,
Você toca de leve a
pequena mácula no peito
e volta a ler

Agora imagine a imensa tristeza
dum livro que jamais será lido
repousado numa estante
apenas olhando as crianças
que passam correndo

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Maria contou-me hoje que
surgiu um tomateiro em sua horta
sem que ela, no entanto, houvesse plantado
Falava com tanta displicência
e clara falta de observância
que tomates se ouvidos tivessem
certamente ficariam magoados

Eu só pude levar a mão ao coração
e pensar que os milagres caídos na terra
deixam, sem cerimônia,
de ser milagres

Maria matou, sem pressa,
os tomateiros que crescem no meu pensamento.

sábado, 13 de maio de 2017

Apesar de seres assim tão maravilhoso,
Amo-te enormemente.

domingo, 23 de abril de 2017

Os bichos mais legais são

Capivara
Elefante
Cavalo
Coala
Cachorro
Girafa
Urso panda,
polar
Gato
Golfinho
Boi
Foca
Galinha
Porco
Polvo
Pinguim
Santa inês
Preguiça
Beija-flor
Louva-a-deus
Mico leão
Joaninha
e os que roem
os que ruminam
e os filhotes
e as aves prenhes
e os absurdos do fundo do fundo do mar
e os desenhados nas paredes do tempo

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Sonhei que dava aula sobre Borges. Sem muita intimidade, tateando pelas bordas uma linha de pensamento, tentava me firmar pela força da sutileza. Aqueles alunos tão adultos talvez não percebessem minha perplexidade. Eu, professora. De Teoria da Literatura. A brancura das paredes dizia ser uma universidade. Eu caminhava de um lado a outro, como faço verdadeiramente neste lado aqui da realidade. Olhei pela janela e a figura de um senhor curvado, de cabelos cor de nuvem, estava me fitando lá de baixo, eu entendi de imediato que era o próprio Borges, embora fosse outro quem estampava a edição d'O Aleph. Ele, com ares de injustiçado, como se enfim me percebesse por inteiro, soltou palavras de vento que quase não pude compreender. Mas nos sonhos assim tão nítidos há um sentido outro que ultrapassa nossa racionalidade. Colhi no ar algumas advertências sobre como o novo sempre irá depor o velho. O novo e o velho e o tempo. Ele assim me disse para que o mais importante de sua obra eu não negligenciasse. Então, voltei, alumbrada, para o quadro, pronta para transmitir grandes ensinamentos. Para minha completa frustração, meu pincel falhou e a palavra velho nunca pôde ser escrita.

Há um poeta muito famoso na minha cidade. Li seus livros por simples responsabilidade literária. Meu pai, que é de sua geração, queixa-se que é impossível conversar sobre quaisquer coisas com ele. Nenhuma política, nenhum clima, nenhuma lamúria cotidiana, nada desses assuntos mundanos é capaz de vingar na boca do poeta. Apenas a memória distante das casas de chão batido, das portas de madeira pesadas da igreja, da grande enchente de 1989, é digna de habitar suas falas. Monologa sobre fulanos e suas árvores genealógicas a fim de reconstruir quase tudo que já se foi. O poeta temporal está preso ao passado. Talvez seja difícil acordá-lo.

quinta-feira, 23 de março de 2017

"Tenho doença incurável
Sofro de irrealidade"

Líria Porto


As coisas deste mundo quase que não me interessam
(Só filósofos e animais)

O trabalho me aparta
Deus é dinheiro
E eu sou ateu
As contas são monstros difíceis
Nunca fui adestrado, quanto mais

O governo não deixa meu sono dormir
Canalhas, canalhas, canalhas

Cada pessoa tem seu horror

Lembro que neide é feliz e muito interessada
Neide deu veneno ao gato da vizinha
Depois deitou a cabeça e dormiu.
Dentro de mim, o governo e neide se parecem

A vida é indigesta

As coisas deste mundo quase que não me interessam
(Só poetas e desespero)

domingo, 22 de janeiro de 2017

Existe um momento
de lucidez quase obscena
na vida de uma mulher

Os pratos estão limpíssimos
e a dor que lhe atravessa
é inapelavelmente
feminina

Não há tempo para retroagir
Este momento pesa imensamente

Na madrugada de alguma cozinha
uma mulher agora pensa
que há um abismo grande demais
entre ela e o homem
que dorme

A mulher está por um fio
o homem a olha e quase não vê

O homem pensa que
precisa ajudá-la
e só pensa
A mulher percebe então que
embora os braços já estejam dormentes
precisa erguer-se sozinha

Ela ainda não sabe, mas
encontrará outras mulheres
Muito também acordadas
Neste lado de cá do abismo

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Para Nina

Queria muito ser aventureira, doida, forte, desbravadora do mundo

mas o tronco de quase todas as árvores
tem a sinuosidade das cobras

Vênus, entretanto

descreve um destino no espaço:
Escrever é a coragem de ser indigno

Uma coragem apavorada de ser

já é um modo muito pertinente de dizer não