domingo, 9 de dezembro de 2012

Exercícios pérfidos I

Estivemos equivocados.
Pouse a destra ampla no dorso
destes animais
E ponha-os calmos.
Dê fim a este endoidecimento.

Uma fonte luminosa
é luz e água,
é água e luz
apenas.
Uma metáfora
é uma metáfora
E não acalanto.

Mitigue esta dor
que nem é força.

A vida é um pouco péssima
E todos nós sabíamos disto


______________________

(III/12)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Carta à Joana

Joana tem razão. Sou paralisada diante de muito pouco, o que há no lugar do estômago não é senão uma pomba. Minha perplexidade é humilde. E essa mania sem ordem e origem de rir-se de todas as coisas. Porque rio eu de todas as coisas? Há um mundo doente e, como débil, rio-me de todas as coisas. Uma parvoíce sem quês, um modo muito besta de não mandar ninguém se foder. A melancolia congênita de quem espera passivamente as fatias do tempo desordenarem-se. Permaneço e não vivo. Sei que muito em breve eles irão apalpar minhas assombrosas tetas e realizar minúcias nos meus olhos míopes. Como fugir? Compreendes? Como desvencilhar-me das palavras bonitas? As palavras bonitas são tudo o que há no mundo. Cinco anos! Cinco anos para perceber mais que uma frase de tua carta. Ainda assim ela é mais bela que triste. Ainda assim eu sou mais bela que triste. Cinco anos para que eu te alcançasse um único verbo. Muitas listas foram necessárias.
Estou ainda num tempo recluso, tu sabes, a matéria não pode sangrar. Não tenho ideia de quantas diabruras ainda me aguardam até que se forme o invólucro. Sinto medo dessa letargia, dessas vísceras ingênuas porque diabólicas. Preciso contar-te, em muito orgulho, as minhas primeiras grosserias, quero dizer, os primeiros atos que podem ser considerados rudes (olhe o contexto!). Quero também acrescentar a palavra 'puta' àquela lista que começa com 'deflorar'.
Joana tem razão. Nunca partilharemos o mesmo universo. Nunca pude dizer adeus ao trema sem usar de cerimônias. Há talvez uma paixão pela mitologia, o apego às metáforas e a filiação acadêmica que possam nos unir. De resto, Joana é a bruta flor trepada aos portais que pode ver as maldades muito além do que meu olho suporta. O que sou? Ainda não frutificou-se a toleima que consiste nesta carta para que lhe possa dizer. Ou talvez, Juju, sejas ainda mais arrazoada, talvez eu seja o próprio rasgo na face de Deus.

domingo, 25 de novembro de 2012

M.

Éramos puros,
éramos limpos
de apuros,
despudorados
límpidos.
Éramos fáceis,
retos e obscenos,
tecidos de claros nós
que nunca se perderam.

Éramos ricos
líricos destemidos,
perfeitos impudicos
Dançávamos...
Gastamos as solas,
o sal das lágrimas,
os pulmões, o fígado
Éramos lépidos,
hoje sofridos
tu estás desenganado
eu, mar de martírio.
Nos olhos lascivos
- porque 'inda é chama -
a triste certeza
de que sou o teu vício.

Então, amor, perceba
É o fim do mundo que se aproxima de nós
Procuro tua boca sanguínea
em todas as bocas deste escuro
circunstancial
Temo ansiar-te através do futuro
e morrer sedenta obcecada
Teu beijo é um eterno.
Nosso amor é saudade.

Lembra?


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Mañana

Preciso daquela paz
que não tenho tido
pra te ler, Neruda.
Um quarto róseo azul violáceo
em que minhas rosas não cresçam
desesperadas.
Trago retinas aborrecidas
de apenas tocar
o som de tuas rimas.

Atrapalham-me
meus laços,
matricídios mal propagados.
A mãe lança-se
nas minhas pálpebras
com seu peso de mil grilhões.

Uma corola ruborosa
floresceu no meu umbigo.
As minhas cólicas - suas raízes -
deram-me olhos desleais.

Não posso ler-te.
Perdoe o agravo.

Matilde continua
pão, trigo e lua,
mesmo que eu
não a possa celebrar.

É a minha viagem,
esta transição solitária
de crescer para além do verso.
A falta de afã, a vertigem, a fé
os amores esmorecidos...

Preciso daquela paz
em que eu possa ouvir
os anjos.
Então, dar-te-ei teu sentido.
Teu louvor será maior
que uma plácida campina.

Aguardemos o outono desta rosa sangrenta.
Em segredo, teceremos sonetos matinais
de pura e opaca substância...


sábado, 3 de novembro de 2012

O tempo de amar tem seus findares

Para Taís Soares

Então é isso. Um outro tipo de canção começa a fazer sentido. E todas tocarão no instante mesmo em que pudermos ouvir. Tento confortar o coração de Tai, tão ou mais quebrantado quanto o meu, but everybody knows that a broken heart is blind.
Então você começa a estipular teorias felizes porque no final as coisas vão. Você ainda respira sobre um calor ameno, o que é míngua se derreteu. Você está nova e nua. Há um sopro de ventura pelo caminho. Amar nunca será o erro.
E começa a pensar nas nuances da natureza. Porque você encerrara-se em ditos inaudíveis, mas não! A alma cura-se. O rio estanca. Nem as pedras são eternas. É lícito isso de ir-se desencantando. É livrarmo-nos do resquício. Só se vive inteiro. Preciso ainda fazê-la lembrar as obviedades: seu coração é liberto e tem substância.
Tai ainda me ouve saturar os sentidos, duas inebriadas hiperbólicas que somos. Amor só voa voo alto. Uma parte é cair.
Repito amores futuros. Isso me comeu algumas horas de pensamento. Numa esquina de livraria a gente de repente encontra-reconhece o Será que sempre foi, ou talvez o Deveria-ter-sido. E se não encontrar, ma chérie, não é mistério. Mas, por favor, não se esqueça do valor da intensidade de seus gritos. Nunca se arrepender, faço mantra se quiser. O colorido está em você. Posso vê-lo claramente.
Preciso assumir que um dia cogitei essa já constatada epifania: porque será que ninguém olhou os próprios dedos e se perguntou porque há tanto espaço entre eles? Iremos à praia. Apenas um punhado de areia na sua mão. E então, se você insistir em mantê-la, os grãos vão começar a ferir, as mágoas na pele ignoram qualquer força, a areia um dia escorre. Por entre cada um dos nossos dedos uma mácula de alívio. Fomos criados para o cíclico dos verbos. Pense nas suas mãos como dois pássaros. Se você fechar o olho, então a dança, a pureza, a menina, tudo nasce, como antes. Você pode abrir as suas mãos, Tai! Será um voo livre e perfeitamente inaudito (sim) para onde ainda há encanto.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Quantas coisas foram feitas para não ser compreendidas?

Meu coração roxo.

pingando, pingando,

arfante, cansado.

Se esvai o cheiro
de madrigal.

Um coração tão cheio
de quietude

murmura alguma dor,

um desespero
de será.

Onde o sol das onze horas?

Onde as conchas?

Onde Deus?

Porque não partiu meu cordão umbilical?

Não há dormir,

não há dançar,

orar não pode,

cantar jamais.

A veia lúgubre do desterro arroxeou meu coração.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"E il naufragar m'è dolce in questo mare"

Ás vezes me vêm instantes súbitos de te dizer, como sou pessoa breve e pessoa calma, vou sustendo. A docilidade em seus olhos para aquecer em banho-maria, a docilidade dos olhos esteve ausente. Não se perdem as coisas, as coisas não se perdem nunca, até mesmo daquelas dores de cada um dos cem sonetos, porque não me há nada sequer parecido; e pensando direito, em guardar palavra sou matreira, fica mais um pouquinho ou como você é não sei, mas você tem me desfeito, fio por fio, então vou lavar-me em banho-maria. Troquei seu nome por Cariño e não te disse, não te disse porque você não teve seu tempo pra me esperar lembrar que eu queria dizer, se as minhas coisinhas correm mais devagar, nunca fui gente, vou beber meu suco de dezenove frutas enquanto te espero, você me espera? eu não sei. Deixa eu morder você e brincar dentro dessa luz? também. Já sangrou tanto, né? eu te espero. Quero deixar de ser e gritar voracidades no seu ouvido, as voracidades mais ternas, porque eu ainda sou eu.

Só espero dizer, mis ojos de oro, que toda vez tenho vontade de dizer que te amo tão doida...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A minha mãe terra. A minha mãe do complexo de agrião. Eu vejo as duras pedras desta árvore tortuosa. Quero chegar a nada destas silenciosas agruras. Teu marido é um bruto e não vês. Carregaste um casulo que te fizeram robustas as pernas. (E a tua cabeça, Maria?)
O sangue amarela no varal e esperas o tempo devido das coisas. O tempo inventado por teu pai (pelos homens que foram homens antes dele). O teu pai que não permitia ordenhares tuas próprias vacas. Apalpastes no escuro as tetas mornas. Esta era a tua grande rebelião.
A minha mãe chã. Levou teu pedaço de roça para uma cidade não muito cidade. Tuas mãos magoadas pelas roseiras, os dedos picados de agulha, não mais. Uma outra mulher, e não da tua tez, cuidou do teu lenço de rendas, teu cinto, teu broche, teu terço de ouro... Puseste os olhos na humildade da tua escrava?
Atinaste ensinar-me o legado e fracassas. Que as verdades são mutáveis nos tempos. O tempo que criei longe da bruteza dos homens. E não vês, minha mãe Eva, cega e petrificada, tenho na carne a grossura de teus corriões. Tenho esta briga vã de mim e do meu lugar. Mas vejo os traços da tua face na minha. E o meu espelho é minha legião de lágrimas.
Maria das Marias, volvei-me estes olhos de paciência infinita. Meu bramir sempre retornará.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

"A vida inteira que podia ter sido e que não foi."






Nestes dias
quero só
chorar
porque preciso
molhar também
os poemas

Nunca mais um arco-íris...
Isso é tão triste
e eu não sei
nem dar palavras
à poesia que há em mim.

Havia de ser perene
e não fui.

Havia de
ajustar-me
sem, para isso,
deixar de ser

Havia Deus
de abrilhantar
a minha cabeça
e esqueceu.

Então deixa-me chorar
as coisas irremediáveis.
Uma dia hei de morar
na Casa do Sol
e adeus.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Amarinhar

Pensa;
o mundo cheio
de oceano e jasmim
ainda pulsa.
Há um céu rosazulado
E o brilho das coisas invisíveis.

Conclui então que não há fórmula mágica.
As coisas de ver são as coisas de sentir.
Sinta;
O meu amor transborda nas ruas
porque agora faz chover.
Este inverno - que há de florir -
é meu desamparo,
Mas durma, amor, o sono dos justos.
Quero tocar-te a alma de flores

Lembra;
Todos os versos que te criei
tiveram sangue e fúria de viver.
Empunho no ar
minhas letras tímidas
para galgar-te no horizonte
sem fim.

Cuida;
- desesperadamente -
cuida que é imenso meu jardim de amor.
Tem árvores afundadas num céu que mal posso ver
Veja;
As andorinhas neste azul infinito
voam longe.
É inverno.
Para abrigá-las
te fiz uma casa
de paz rosada
e ladrilhos.

Amar calmo assim de novo
fará doer.
Silencio.
Resta-me aguardar
que o sol se deite
na água mansa.

Durma, amor,
um sono de nuvens.
Sustento no ar
este universo
Até que os crepúsculos
me ardam nos olhos.

Amanhã
teus búzios,
tuas conchas,
o mundo cheio de oceano
inundará de cristais
a minha vastidão...


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Prenúncio da Canción desesperada

Já hoje se tem três dias feitos
que nunca recebo carta sua
Verti quatrocentas e duras lágrimas
Parece que tenho a mãe morta
Parece que Matilde veio e me disse
que se quebrou meu porquinho australiano
Tenho desejos de matar Matilde
ás vezes

Voltei-me a lavar os pratos
até ter sangue nas mãos
Mas a louça nunca curou
amores de não amar-se
Comecei a quebrar os pratos
pra ver Matilde chorar

Três dias
a minha andorinha longe
Vejo não aguentar
Matilde caçoa minhas dores
Maldita seja Matilde!

Quarto dia
Tenho febre
A Saudade pesa seus sem-sentidos
Tenho urgências semânticas
você nunca chega
Te chamo bastardo!
Matilde...
Matilde se dane

Troquei minha saia puída
(desde o dia em que você partiu)
Pus presilha no cabelo
Bati à porta do Correio
(O silêncio mói meu coração)
O CARTEIRO ESTÁ MORTO?
Glória, senhor!
Tenho vida!

Dê cá minhas cartinhas.




sexta-feira, 1 de junho de 2012

Pelejo fazer um poema grande
Grande e sisudo
Que atravessasse
Que fosse gordo
e tivesse cheiro de chá
Um poema para Thiê

Faz três horas me reviro
Vejo mar, vejo renda
Vejo mel, vejo casa
de morar
Já vi até o
rosto de Benjamim
Sonhei que corria doidalegre
pelas ruas de Recife.

Fui desistindo
Desperdicei três horas de pensamento
Tô aqui deitada ao pé da cama
O coração que nem geléia de umbu
E o amor tá comendo tudo!

Essa praga que é a felicidade...



Plumas são pedras

Há tanta verdade na poesia
Que algumas pessoas se espantam.
Há quem desperte pra dentro,
Há quem não leia por certo,
Mas algumas pessoas se fecham.
É curioso.
Não podem sustentar a leveza
de uma terceira realidade.

(Nunca pude compreender
tamanha variança de gente...)

domingo, 29 de abril de 2012

Cariño

Quando tiveres ainda mais sonhos cravados na pele, amarei teu cenho, amarei tuas roupas, amarei ler cálida a palavra amornaremos. Tu livrarás o rancor de meus cabelos. Amansarás três vezes meus temores. Três vezes amar-te-ei para que não te canses. lembrar que é tempo de pêssegos, sim. Tanto mais tempo de ser eternidades...
Tu pousarás em mim mais uma vez. Repartirás meu silêncio e serviremo-nos em paz. Lembrar felicidade, lembrar a candura deste deus que nos criou, este das mãos setembrinas, contumaz deus das coisas pequenas. Porque amamos para o mesmo caminho - paciência, temperança, ternura - e uma coisa devagarzinha tem suas perfeições. 
Se acaso há cansaço, crio-te auroras. Pensar o riso, não pensar a dor. Pensar a sutileza dessa luz. Casar outono e primavera. Há de ser como saberemos... leve...


"Sei que tudo nosso é liberto e cheio de curiosidade do mundo inteiro, mas meu coração é seu."


Sei  

sábado, 14 de abril de 2012

Café de manhã

Tenho aqui as mãos pasmas. temos canções-delicadeza e esta tinta vermelha. e todas estas músicas que cantam você. todas estas músicas que nos conhecem. as minhas mãos pasmas. meu coração calmo. um começo. um todo retornar-se.
Tenho aqui pés flutuantes. temos convites. e vamos dançar até a carne derreter. mascar a grama. abismar-nos. você não tem pressa, eu não tenho medo. e o tempo passa.
Enquanto acordamos (há pássaros dizendo nosso nome). enquanto miramos aquele horizonte. espreguiçarrr. vem a calmaria da manhã cedinha e cheiro doce de boca.
te tenho tanto carinho. dizemos. dizemos carinho e façamos outros. os passarinhos nos espiam. deixa, deixa. Tou fazeno saudade.
Você me olha do alto, você me olha de segredo. mas eu já estou a gritar, amor. já estou a gritar.
Sentemos à beira da mesa.

sábado, 7 de abril de 2012

Mar imenso

"(...)

ó, a minha vontade é a minha liberdade!

diz-me, cala minha boca
com teus gritos em planos superiores, quero-os
como todo o pecado
com que me abençoa
como tuas páginas brancas de desespero
faça-me, para minha liberdade
tua.

(...)"



Quero que saibas que amo-te doida e desvairada. Fodam-se místicos, rituais, comedimento, circunstância, apelo, sombra de dúvida, casaco de pele. Amo-te como Olga, filhote de urso, bola de cristal, vestido de flor. Quero-te para sangrar minha carne cingida. Quero-te morder os olhos que me castigam e beber tua febre em cálice santo. Vou cantar um gozo liberto, medir-lhe as feridas, brindar e morrer. Amo-te no meio do peito. Vou fazer-te um colar de búzios para que me deites sobre. E tecer cantigas idílias. E mostrar como um corpo ama. Quero-te doida e desvairada porque há muito espero Dionísio. Sofro de amores, quero que saibas. Vou rasgar meus cabelos e me pôr nua na praça. Uma Vênus ensandecida está cá dentro a pulsar, escalavrando-me o ventre, rogo-lhe desaflição. Mas Amo-te, amo-te quente e de ranhuras em salmoura! Mergulhei no mar imenso sem tapar meus olhos e tudo arde por ti. Quero espalhar no vento minha oração de amor. Adeus aos céus. Vem deitar-se comigo no sofá buarquiano. Vamos morrer como Sierva María. Sorvendo-nos.
Amo-te. Amo-te doida. Amo-te doída. Amo-te ainda.

Imagem: de Conrad Roset

quinta-feira, 22 de março de 2012

Eos

Meu Amor,
Estão tuas consoantes a murchar
Têm um líquido triste
Lavemo-nos
Uma vez mais...

Aquele pássaro prisioneiro 
Teima em cantar.
Perdoe-me, amor
Por não assassiná-lo.

Porque o sol se apagara,
Não culpemos a aurora.

Minha falta de luz
é minha travessia.

E nada mais...

terça-feira, 20 de março de 2012

Silêncios














(Sugiro que olhes direto nos olhos da moça a coser.
 Tantas mais palavras lá estão a fervilhar.)

terça-feira, 13 de março de 2012

Santa Maria da Vitória - Ba  
   25/XII/10

O regresso ao interior tanto pode nos causar ânsia quanto, num depois, frustração. É o que me sucede. Mal completo meu terceiro dia cá onde estou. Ei-las! Minhas palavras de luz e fumaça. Começo a pensar em 'ser louco é bom' e outras tantas bobagens. Sinto faltas. Sinto minhas ludicidades lá fora. Quero ter os braços mais amplos. Quero louvar minha brejeirice. E sei que posso te trazer alguns paradoxos anunciados. Posso te dizer, por exemplo, como eu acho estranho frutas empacotadas, como se tivessem sido fabricadas, ou ainda a coisa mais absurda no mundo que é comer e não lamber-se. Eu posso dizer Você pode me entender? com muita precisão? Isso é uma pergunta mesmo, responda-a!
Aqui o tempo cochila nos olhos dos sapos. Ao lado de minha casa passa um riacho quando chove e se forma um coral de coaxos. Daí eu me sentir n'outra dimensão. É uma cidade pequena como outra qualquer,  e neste pedaço de rua há este "erro" de civilidade que me parece tão sublime e tão irônico. Quero abandonar e quero sentir. 
Mas ainda posso afagar meus cães durante horas e olhar naqueles olhos castanhos, melódicos olhos castanhos de bicho. Pentear os cabelos brancos do meu pai e ouvir os cd's de McCartney. Ainda posso salvar minha vida.
Sei que logo o tédio vai ser como o riacho. Por isso, no tempo propício, eu vou buscar ar na superfície e te escrevo. Ah, sim! Você tá bem?

Feliz Natal... essas coisas,
e um abraço!

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Minhas vontades são as palavras



Minhas vontades são as palavras. Já que não posso, preciso pintá-las. Vou contar-te que o vermelho na minha boca não é puro milagre. Basta que se diga Eu tinha as faces ruborescidas e estava só. Entende-se.
Muito me parece que há pessoas feitas da mesma matéria com que se fazem os sonhos. Se há pessoas adoecidas da doença da palavra presa, aquela que é feita de sonho precisa salvar.
Sofre-se de calores absurdos nesta terra. Vejo o mar da minha janela. Suor e sal.
A deusa verte uma única gota de âmbar para duas bocas que não se beijam. Mas amanhã é domingo, e segunda ninguém saberá.
Minhas vontades são as palavras. Permaneço estupefata pela intensa verdade deste momento. Uma Vênus, muito calma Vênus, mora dentro de mim. Ela tem safiras no umbigo e um seio que freme de tanta alma. Não duvido que entre os cabelos escondem-se efemérides olorosas (como frutos pulsantes). Esta Vênus estava a dançar de vestido liberto e florido, e de súbito...
Aquiesce, coração! Não desesperes.
Minhas vontades são as palavras
aqui postas.
Meu branco sangue, palavra derretida, que é dor e que escorre.
Já que não posso, preciso pintá-las.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Ângela Pralini

Os poemas
que me estão a escapulir
são tranquilos
e têm olhos perversos;
Dez anéis de agonia

São borras de sangue,
Meus coágulos de culpa...

Os poemas que nunca farei
são as provas indeléveis
de minha psicopatia.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Os Bichos














Não se pode sentar à mesa de bar com os bichos.
Os bichos não são irônicos
Não são ritualísticos

Os bichos andam pelados
Os bichos são políticos
Os bichos não guardam coisas
Os bichos são perfeitos
Os bichos são princípios

Não submetarás os bichos
A loucas delongas humanas.
Os bichos nos falam com os olhos.
A palavra mansa dos bichos
jamais sustentar-nos-á

Aprenda a quietude dos bichos.
Eles têm apenas a calma tácita,
A vasta calma tácita dos bichos

Quando muito, nos lambem feridas
Afagam-nos as mãos
Se deitam e
dormem
alegres.

Peço-te encarecida,
Não prefira-os sempre
para que não cogitem autismo.

Lembres!
Apesar daqueles olhos melódicos,
os bichos nos amam como bichos.
Não macules a asa da borboleta,
Ela nunca compreenderá.

Os bichos ainda são bichos.

Humildes e fáceis, nos são maiores
Não têm orgulho de seus polegares
Eles têm apenas a calma tácita,
A vasta calma tácita dos bichos

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

"Essa menina é um prego torto"

Cansei-me da fala má
da gente odiosa
que habita a minha casa.
Não cansam de pisar
a minha esquerdice.

Ignoram ser o caminho mais difícil?

Olha só!
Prego torto
quanto mais se bate
mais entorta.