quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Exercícios Pérfidos II - O melindroso

Depois que descobri, pensei na cólera e no silêncio. A cólera é uma loucura breve, então não precisei desperdiçar minha poesia. Decidi não escrever. Passei muito tempo sem compreender porque não conseguia gostar das gaivotas, das âncoras, mas percebi que é tudo muito ruim mesmo. Literatura ruim esfria meu café. Prefiro me ocupar de pintar as unhas. Não tenho problemas. Não carrego um mundo incomunicável e fora dos limites da "normalidade". Meu mundo sou eu. Então pensei no silêncio. Como o tenho saturado! Como é difícil arrancar de meus ossos as verdades que deveriam ser ditas. Ora. Elas deveriam ser ditas? E acaso toda verdade necessita de um propósito? Fato é que não se trata de destilação de veneno. Meu coração apodrece, é simples. Há uma sujidade difícil de ser lavada, preferiria pintar as unhas, mas preciso continuar.
Saulo, preciso te contar uma coisa, uma anunciação a toda a gente (porque é mais perverso ainda saber sozinha). Não há docilidade nenhuma, sim sim, vamos beber absinto, a vida é nada. Não, vamos ficar em casa e rir à toa, já passou, podemos escrever nosso livro sozinhos. Em verdade vos digo, você e essas amoras, a contradição é bem mais embaixo. Não esteja pasmado, é muito mais coerente uma vileza que é mais vileza e menos afabilidade. Há um nítido melindre, você reparou? Podemos chamá-lo de senhor melindroso, além de muitas outras coisas. Um melindre tempestuOso, hiperbÓlico. Há uma agressividade animalesca. Preconceitos terríveis, carnudos, entranhados. A mim, foram absolutamente aniquiladores (eu era gente cega, Saulo, acalma-te). Agora preciso usar palavras que não gosto (isso é tão custoso), mas não encontrei equivalência que bastasse: há hipocrisia e falsidade. Gentileza? Em que parte? Há uma fuga da verdade do corpo que irrita desoladoramente. Há uma infinidade de desenganos que deixam-nos doentes. É preferível pintar as unhas, já disse. Tudo bem, falemos de José. Mas como é possível? Ainda me deparo meio estarrecida com esse como é possível, entende? Então vamos limpar o coração. Camomila, aspargo, doce de caju e chocolate. Escolhi o azul, você gostou?
Depois que descobri, estive doida, porque não há nada aqui que seja feito de ferro. Não tenho vergonha de sentir e dizê-lo. Mas meu mundo estará são dentro de duas semanas, então não precisei desperdiçar meus poemas. Amores nunca serão desperdiçáveis. E as minhas unhas ficaram tão lindas!