domingo, 23 de abril de 2017

Os bichos mais legais são

Capivara
Elefante
Cavalo
Coala
Cachorro
Girafa
Urso panda,
polar
Gato
Golfinho
Boi
Foca
Galinha
Porco
Polvo
Pinguim
Santa inês
Preguiça
Beija-flor
Louva-a-deus
Mico leão
Joaninha
e os que roem
os que ruminam
e os filhotes
e as aves prenhes
e os absurdos do fundo do fundo do mar
e os desenhados nas paredes do tempo

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Sonhei que dava aula sobre Borges. Sem muita intimidade, tateando pelas bordas uma linha de pensamento, tentava me firmar pela força da sutileza. Aqueles alunos tão adultos talvez não percebessem minha perplexidade. Eu, professora. De Teoria da Literatura. A brancura das paredes dizia ser uma universidade. Eu caminhava de um lado a outro, como faço verdadeiramente neste lado aqui da realidade. Olhei pela janela e a figura de um senhor curvado, de cabelos cor de nuvem, estava me fitando lá de baixo, eu entendi de imediato que era o próprio Borges, embora fosse outro quem estampava a edição d'O Aleph. Ele, com ares de injustiçado, como se enfim me percebesse por inteiro, soltou palavras de vento que quase não pude compreender. Mas nos sonhos assim tão nítidos há um sentido outro que ultrapassa nossa racionalidade. Colhi no ar algumas advertências sobre como o novo sempre irá depor o velho. O novo e o velho e o tempo. Ele assim me disse para que o mais importante de sua obra eu não negligenciasse. Então, voltei, alumbrada, para o quadro, pronta para transmitir grandes ensinamentos. Para minha completa frustração, meu pincel falhou e a palavra velho nunca pôde ser escrita.

Há um poeta muito famoso na minha cidade. Li seus livros por simples responsabilidade literária. Meu pai, que é de sua geração, queixa-se que é impossível conversar sobre quaisquer coisas com ele. Nenhuma política, nenhum clima, nenhuma lamúria cotidiana, nada desses assuntos mundanos é capaz de vingar na boca do poeta. Apenas a memória distante das casas de chão batido, das portas de madeira pesadas da igreja, da grande enchente de 1989, é digna de habitar suas falas. Monologa sobre fulanos e suas árvores genealógicas a fim de reconstruir quase tudo que já se foi. O poeta temporal está preso ao passado. Talvez seja difícil acordá-lo.