quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Aos poetas que conheço, pois é difícil acreditar.

A poesia é o mais próximo que podemos estar de deus. Se guardamos todos os impossíveis dentro de nós, e se alcançamos o útero do mundo, ali onde as coisas estão despertas, e o movimento é reverso, e no tempo há um onde, podemos ver, logo longe, os dedos grandes de deus.

Um único fanatismo é cabível, que é o fanatismo da poesia. Não se pode ser cego de tua luz, nem desamparado por tua lacuna, se ela não há. Pode-se dormir nos silêncios do poema, descansar-se. Mas então, quando o silêncio fica prenhe, como eles disseram, a origem da vida se desprende mais uma vez da poesia. Cada célula, acordada, retoma seu fardo de produzir milagres.

Tudo é criado porque vive o poeta. Tudo que está, tudo que é além. Tudo renasce e remorre pela palavra. As palavras que correm na seiva mais remota, que estão, ainda puras, no sangue das flores. Tudo isso que permanecerá adiante da morte do último sopro de vida é a poesia. A junção dos tempos e dos mistérios, a casa dos seres arcaicos, a Fonte, o vértice. Uma criança está sendo nutrida no ventre da eternidade, chamam-na criança primordial.

Enquanto isso, num pequeno planeta perdido na maestria do espaço, um poeta chora amargamente diante de uma tela fria. Está cansado de uma vida de desistências, sua alma lhe diz que deus relegou-lhe o mais impossível dos impossíveis. Existe uma coisa chamada dinheiro que vai destruindo tudo que se ama. Seu desejo é serenidade e imensidão, no entanto, uma verdade secreta diz que há os que nascem unicamente para chorar. Pensa em cortar os pulsos e entregar-se ao mar. Como é triste perceber, meu deus. As lágrimas dos poetas dão movimento a todo o universo.

sábado, 19 de outubro de 2013

Poema - O Pagador de Promessas

Uma promessa foi feita
para a vida de um burro salvar
por um homem simples e ingênuo
com uma cruz a carregar.

Ao lado de sua esposa,
caminhou sem descansar
e ao chegarem na Igreja,
enfim, não puderam entrar.

O pobre Zé do Burro,
ao ver seu amigo quase morrer,
viu-se tomado pelo desespero
e a Iansan foi recorrer.

Assim como o Senhor Jesus
em suas costas pôs uma cruz,
Mas como poderia Zé saber
que sua promessa não seria cumprida
que sua fé seria traída
e que a sua espera
estava somente o sofrer?

Fecharam as portas do seu destino tão desejado.
Então, Zé do Burro, incompreendido e revoltado,
decidiu o pé dali não arredar
até que sua cruz estivesse no altar.

O padre, tão rígido e intolerante
acusou Zé de um pecado presunçoso:
"Como um reles viajante
ousa imitar o filho do Todo Poderoso?
Esse tal de Zé
num terreiro de candomblé
diz ter alcançado uma graça.
Ele nada mais é
do que um demônio que se disfarça!"

Surgiram curiosos e aproveitadores
alguns riram, alguns eram defensores
alguns apostavam, outros questionavam,
mas ninguém sabia o que tinham passado
os dois que ali estavam.

Tentaram convencê-lo a não ir adiante,
preocupados com um desfecho pior,
mas a fé de Zé do Burro era tão grande
que nem a esperança o deixou só.

O drama de Zé do Burro
teve rápida repercussão,
vieram jornal, polícia e autoridades.
Estava armada a confusão.

Reinventaram sua história
o acusaram sem motivo e sem perdão.
Zé já não sabia o que fazer,
tentou se defender, mas foi em vão.

Circo armado e cerco fechado
caíram sobre o coitado
ouve-se um tiro dentro da multidão
Zé do Burro tem no ventre as mãos [...]


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