sábado, 18 de dezembro de 2010

Tu que me olhas

Milord, que queres de mim, afinal? Posso confessar-te outra vez. Hoje tenho dores enraizadas a meu ventre, estive curvada, nem posso atender-te, as minhas regras, tão irregulares, te fizeram armadilha.

Primeiro minha linguagem se estende em demasiadas palavras, entorno-as em nossas taças, e tu brindas encantado... e por fim? Não viste o desperdício deste palavrório? Milord, palavras são sacos vazios, achaste-me mesmo tão substanciosa? Já não ouviste de perto o enigma dos poetas?

Desde então, a minha vista quer recair-se sobre teus olhos. Não! Eu só quero olhar-me a mim própria. E se em tua retina houver-me o segredo? Dilatar-me-ei esfinge desvendada.

Depois de ti, os espelhos da minha casa, longamente, abrem e fecham as pálpebras. Não tens receio de invadir disfarçado meu quarto? Meus reflexos tornaram-se miragem, assusto-me, procuro tocar-me a verdade, mas entre meus dedos se esvai um resto fantasmagórico. És tu que me observas talvez deveras diversa de meu ser. Este jogo de olhares avessos é um fascínio perigoso, como todo fascínio.
E penso que tu queres, sorrateiramente, escalar o verso que se desprende da minha boca.
Tu queres, Milord?

sábado, 11 de dezembro de 2010

Fulana Outra


Imagino tua fulana
Imagino tua pra me doer

Não sei se ela nua
Inunda molhada tua barca
Invento fulana seca

Não sei se grita e vibra
no meio da tua cabeça
Invento fulana muda

Não sei se tem flor no cabelo
Invento fulana calva

Não sei o sabor
Da cor do seu cheiro
Amarga fulana, amarga

Fulana, pra mim,
é uma Macabéa triste
É uma Teresa desesperada
Ainda mato fulana afogada
Na lágrima que eu inventei

Essa fulana bem-amada
Ai que dor, que dor mordida!
Praga à fulana, praga
À tua fulana rica!
Nenhuma fulana merece tua dádiva

Eu fiz tua casa
Sou pobre Penélope
Sou o teu desejo
Sonho que mato fulana
Na cama do nosso leito

Imagino tua fulana
Imagino tua pra não morrer



quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Joãoubaldorribeiro*

Você tem cara de que tem carne doce
Periculosidade
Se ao menos você se livrasse
Desse par de óculos escuros

Você tem cara de quem sabe
Mas só cara não resolve

Se eu quisesse um dia
Você seria muito eloquente
Eu sei
Você me ensinaria a fumar
E a ler poesia hermética
Mas só isso
Não adianta
Aliás, eu preciso?

Você derramaria tanto discurso
Alcoólico político
Que eu me enfastiaria
Na nossa conversa de corpo
Você seria rei

Oh, me desculpem
Eu não queria ser
Hétero-normativa
Mas vocês sabem do que eu gosto
Vocês sabem do que eu gosto mais





sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Hilda

Meu nome é Hilda. Não é de guerra, não há guerra. Dou-me assim desde menina. É por amor. Amor, ele mesmo. Eu gosto de ver o gozo no sorriso dos meninos, das moças. As viúvas vêm se despedir do luto comigo, eu lhes abro os braços de volta para as cores, você quer lindeza maior? Os que se acham cornos, esses são tão ressentidos, choram tanto depois, pensando macular o leito amado, mas eles sempre voltam porque precisam; e eu sei que os faço felizes. Os velhos, então. Tão delicados. Toda a gente os desacredita, só eu sei o segredo que traz o sangue deles. Quando corre forte, regozijo! Eles também podem ser vigorosos, mesmo os desaprendidos. E os loucos, tão mansinhos, gostam muito de me lamber, ficam assim quietos e suaves me vendo gemer, bastante admirados, pensando-me doida, talvez. Os iniciantes, ah, que delícia é o broto da flor! Eu vou guiando, vou dizendo, enfiando, quase choro de ver-lhes o riso da maturidade. Aos órfãos, dou as tetas, só assim pra suprir-lhes a carência, que é muito grande. Os afeminados sempre preferem o rabo, eu me rolo de rir. Às internas do colégio das freiras, faço bastantes regalias, pobrezinhas, me chegam assustadas, achando pecado, é difícil despudorá-las, desfazê-las, mas quando enfim levanto as saias, dificilmente vejo calcinha, é um alívio.
Um dia me veio um padre. Bem, com padre eu não mexo. Me ofereceu até vintém, não tinha sabido que eu não sou puta, expliquei. Pagando é na rua dos Miranda, o que eu dou é amor e nisso dinheiro não entra, o senhor não jurou seu celibato? Se jurou mal jurado, isso é lá com os seus santos. Fez-se de birra, ficou bravo, mas saiu pisando fino, do jeito que entrou. Até meio me arrependi, tanto tempo que esse pobre não vê boceta, não é? Como é que vai ver o amor? Mas logo o motivo ressaltou. É culpa grande desse padre se todo esse povo me procura. Os lascivos mesmo são poucos. Daí me gasto enormemente pra limpar a sujeira que esse padre faz. Nas rezas, nas pregações, exaltam uma virgem. Veja lá se isso é felicidade. É ele de lá fazendo prisão e eu cá me desdobrando, inventando as chaves. Mas, pensando calma, bem que eu devo um bocadinho a esse homem. Que seria da minha vocação de ajudar essa gente? Do coitado do amor, que seria?
Bom é viver com um doce pudor pra deflorar.