sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Hilda

Meu nome é Hilda. Não é de guerra, não há guerra. Dou-me assim desde menina. É por amor. Amor, ele mesmo. Eu gosto de ver o gozo no sorriso dos meninos, das moças. As viúvas vêm se despedir do luto comigo, eu lhes abro os braços de volta para as cores, você quer lindeza maior? Os que se acham cornos, esses são tão ressentidos, choram tanto depois, pensando macular o leito amado, mas eles sempre voltam porque precisam; e eu sei que os faço felizes. Os velhos, então. Tão delicados. Toda a gente os desacredita, só eu sei o segredo que traz o sangue deles. Quando corre forte, regozijo! Eles também podem ser vigorosos, mesmo os desaprendidos. E os loucos, tão mansinhos, gostam muito de me lamber, ficam assim quietos e suaves me vendo gemer, bastante admirados, pensando-me doida, talvez. Os iniciantes, ah, que delícia é o broto da flor! Eu vou guiando, vou dizendo, enfiando, quase choro de ver-lhes o riso da maturidade. Aos órfãos, dou as tetas, só assim pra suprir-lhes a carência, que é muito grande. Os afeminados sempre preferem o rabo, eu me rolo de rir. Às internas do colégio das freiras, faço bastantes regalias, pobrezinhas, me chegam assustadas, achando pecado, é difícil despudorá-las, desfazê-las, mas quando enfim levanto as saias, dificilmente vejo calcinha, é um alívio.
Um dia me veio um padre. Bem, com padre eu não mexo. Me ofereceu até vintém, não tinha sabido que eu não sou puta, expliquei. Pagando é na rua dos Miranda, o que eu dou é amor e nisso dinheiro não entra, o senhor não jurou seu celibato? Se jurou mal jurado, isso é lá com os seus santos. Fez-se de birra, ficou bravo, mas saiu pisando fino, do jeito que entrou. Até meio me arrependi, tanto tempo que esse pobre não vê boceta, não é? Como é que vai ver o amor? Mas logo o motivo ressaltou. É culpa grande desse padre se todo esse povo me procura. Os lascivos mesmo são poucos. Daí me gasto enormemente pra limpar a sujeira que esse padre faz. Nas rezas, nas pregações, exaltam uma virgem. Veja lá se isso é felicidade. É ele de lá fazendo prisão e eu cá me desdobrando, inventando as chaves. Mas, pensando calma, bem que eu devo um bocadinho a esse homem. Que seria da minha vocação de ajudar essa gente? Do coitado do amor, que seria?
Bom é viver com um doce pudor pra deflorar.

6 comentários:

Anônimo disse...

Agora você se superou!

Reticências disse...

rs... este texto me faz lembrar da grécia!

Eduardo disse...

Distribuindo experiência, vida, tanta coisa sem puder de ser feliz.
Bom texto.

Zana Sampaio disse...

além dos meus pudores... adorei, moça... um perigo!

Neldus disse...

Que fantástico, miss J. ha muito tempo que eu não via uma apropriação de uma personagem já existente tão bem feita. E cá entre nós: você abusou do "id" (Amém, Freud!). Ficou lindo (Só o li hoje), mas eu gostaria de dizer que eu sentir uma séria dificuldade em "destravestizar" Geni. Mas reconheço a genialidade que bailou com Maupassant, Chico e com Jesus Cristo.
Linda.

Unknown disse...

Ellen, casa comigo?