domingo, 25 de novembro de 2012

M.

Éramos puros,
éramos limpos
de apuros,
despudorados
límpidos.
Éramos fáceis,
retos e obscenos,
tecidos de claros nós
que nunca se perderam.

Éramos ricos
líricos destemidos,
perfeitos impudicos
Dançávamos...
Gastamos as solas,
o sal das lágrimas,
os pulmões, o fígado
Éramos lépidos,
hoje sofridos
tu estás desenganado
eu, mar de martírio.
Nos olhos lascivos
- porque 'inda é chama -
a triste certeza
de que sou o teu vício.

Então, amor, perceba
É o fim do mundo que se aproxima de nós
Procuro tua boca sanguínea
em todas as bocas deste escuro
circunstancial
Temo ansiar-te através do futuro
e morrer sedenta obcecada
Teu beijo é um eterno.
Nosso amor é saudade.

Lembra?


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Mañana

Preciso daquela paz
que não tenho tido
pra te ler, Neruda.
Um quarto róseo azul violáceo
em que minhas rosas não cresçam
desesperadas.
Trago retinas aborrecidas
de apenas tocar
o som de tuas rimas.

Atrapalham-me
meus laços,
matricídios mal propagados.
A mãe lança-se
nas minhas pálpebras
com seu peso de mil grilhões.

Uma corola ruborosa
floresceu no meu umbigo.
As minhas cólicas - suas raízes -
deram-me olhos desleais.

Não posso ler-te.
Perdoe o agravo.

Matilde continua
pão, trigo e lua,
mesmo que eu
não a possa celebrar.

É a minha viagem,
esta transição solitária
de crescer para além do verso.
A falta de afã, a vertigem, a fé
os amores esmorecidos...

Preciso daquela paz
em que eu possa ouvir
os anjos.
Então, dar-te-ei teu sentido.
Teu louvor será maior
que uma plácida campina.

Aguardemos o outono desta rosa sangrenta.
Em segredo, teceremos sonetos matinais
de pura e opaca substância...


sábado, 3 de novembro de 2012

O tempo de amar tem seus findares

Para Taís Soares

Então é isso. Um outro tipo de canção começa a fazer sentido. E todas tocarão no instante mesmo em que pudermos ouvir. Tento confortar o coração de Tai, tão ou mais quebrantado quanto o meu, but everybody knows that a broken heart is blind.
Então você começa a estipular teorias felizes porque no final as coisas vão. Você ainda respira sobre um calor ameno, o que é míngua se derreteu. Você está nova e nua. Há um sopro de ventura pelo caminho. Amar nunca será o erro.
E começa a pensar nas nuances da natureza. Porque você encerrara-se em ditos inaudíveis, mas não! A alma cura-se. O rio estanca. Nem as pedras são eternas. É lícito isso de ir-se desencantando. É livrarmo-nos do resquício. Só se vive inteiro. Preciso ainda fazê-la lembrar as obviedades: seu coração é liberto e tem substância.
Tai ainda me ouve saturar os sentidos, duas inebriadas hiperbólicas que somos. Amor só voa voo alto. Uma parte é cair.
Repito amores futuros. Isso me comeu algumas horas de pensamento. Numa esquina de livraria a gente de repente encontra-reconhece o Será que sempre foi, ou talvez o Deveria-ter-sido. E se não encontrar, ma chérie, não é mistério. Mas, por favor, não se esqueça do valor da intensidade de seus gritos. Nunca se arrepender, faço mantra se quiser. O colorido está em você. Posso vê-lo claramente.
Preciso assumir que um dia cogitei essa já constatada epifania: porque será que ninguém olhou os próprios dedos e se perguntou porque há tanto espaço entre eles? Iremos à praia. Apenas um punhado de areia na sua mão. E então, se você insistir em mantê-la, os grãos vão começar a ferir, as mágoas na pele ignoram qualquer força, a areia um dia escorre. Por entre cada um dos nossos dedos uma mácula de alívio. Fomos criados para o cíclico dos verbos. Pense nas suas mãos como dois pássaros. Se você fechar o olho, então a dança, a pureza, a menina, tudo nasce, como antes. Você pode abrir as suas mãos, Tai! Será um voo livre e perfeitamente inaudito (sim) para onde ainda há encanto.