sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Depois

"O prazer é compreendido a partir da relação da neurose leitora com a forma alucinada do texto"
(Roland Barthes)


Aí eu me intimidei
E os olhos expectativos
Trataram de cortar as asas minhas
A busca vã da rima com 'desejo'
É pobre ou rico
O verso?
Mas nasceu comigo
Vou lamber umas letras
E só
Aí me intimeidei eu
E vou encher aqui
Pra esquecerem o efeito
Vou reavivar um pisco
Que eu sou muito
Sou muito
Muito pouco
E já vou desistindo do texto
(Dizem que é homicida!)
Aí tracejo umas vinte vezes
A imperfeição
Depois eu como um pão
Com os dedos

Aí eu vi comida flutuando no sabão
Então depois...
Depois eu continuo
Não, hoje não sou pernóstico
Sabe, tem muito ar aqui dentro
Atrapalha
E minha falha.
E minha falha?
Juro! Foi sem intenção
Depois eu como um pão
Com os dedos
Não tem uma porra duma bula
Então fica assim mesmo
Depois eu
Como um
Pão com
Os dedos

domingo, 28 de setembro de 2008

Feliz Aniversário


Vieram-me saudar
O despertar provocado pela dor óssea, o líquido celular dos intumescidos olhos marejados, a água e suas partículas, bocejos enfadonhentos, excreções desnecessárias, odores fujões, cheiro de bolo doce, risinhos, Cosme e Damião, contatos físicos estranhos, declarações não-forçadas, amido salgado, leite esquálido, pães muchibentos, umas doze vozes cantantes, panos umedecidos, pratos a tilintar, detergentes, espuma, cheiro enjoativo de côco (escorrendo como porra no emaranhado sujo), cinco presentes, quatro ligações, uma supermercado, duas reclamações, alguns juízos desejados, dinheiro, verduras frescas e bem-vindas, gosto de hortelã, votos virtuais, Aurora de róseos dedos, o judicioso Alcínoo, o divino Odisseu, Aquiles, Atena, Apolo, Elatreu, desinfetantes, flanelas, vassouras, pás, paredes, pias, poeira, escovas, esponjas, vidros, tapetes, dimensões terceiras, tédio renitente, distâncias proclamadas e tristes, nó de garganta, embirramento, conclusões espersas, horas, perdas, surpresas falsas, reprovações, impermissões, substantivos pesados, chocolate pegajoso assemelhando-se a excrementos, bolo de água-ardente, engolimentos, sorriso rasgado, literatura fajuta, desenhos de luz solitários, uma festinha de lágrimas.
Tão cabisbaixa que feliz, tão taciturna que feliz, tão não-lugar, tão não-aqui que feliz, de chorar.
Esfarelar-me-ei nas ironias dos melhores dias das décadas incompletas...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Poema Sujo

Tinha os traços cortados de um rosto imediatamente feroz
E lâminas desperfiladas correndo entre o maxilar varonil
Uma boca determinada no vértice dum crânio vil
E uma fina, escassa e vazia voz

Violentar-nos-íamos em labaredas asquerosas
Cobertos dum amor falso e friável
Era mais por fincar o que nos fosse proibido
Antes me fosse um pouco mais maleável
Teria-me diluído num frasco de absinto
Sem haver de perceber quão odioso o era
Palavras desperdiçadas num ouvido imundo
E uma língua grotesca a relatar fatos sucintos

Sua estranha beleza pérfida
Há muito não povoa, provoca ou pede
Apenas reduz-se a linhas vagas
Esquecidas, ínfimas, se perdem

O inodoro cuspe escorre lancinante numa outra face

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O Pintor

Tudo começou num desenho
A coxa que subia aveludada
O busto rosado comovente
O pincel correndo suave sem desatentos
Até o pormenor do pêlo crespo contrastante
O rosto memorizando miudezas
Os olhos apalpando a nudez
Ele mira, a boca seca
A moça intacta e sua pele reluzente
Os cabelos mal cobriam-na
Seu lábio duro
Ainda insiste: é arte!
Ele perscruta-a como jamais
A moça irrequieta...
Mais uma pincelada amortece mitigante
Uma pausa, outro olhar
A moça compreende confusa
Solta os lençóis vermelhos
E desce...

domingo, 31 de agosto de 2008

UM PROTESTO!


Os bicos dos meus seios não são as pupilas dos meus olhos!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Hei de morrer sem outro amor
Sem mais doces deletérios
Pois, menos dia, tive mais flores
[e eram concretas]
Mais flores, menos indiretas
Amor declama as impossíveis coisas
Arranca pele pra mitigar-me o frio das madrugadas
Amor devassa-me mais com os olhos
Não devassa-me com palavras
Canta sem haver timbre
Enxerga aquém do aquário
Perfuma meu canto de dormir
Adocica minha língua...
enquanto lambe os mamilos
Beija até meus devaneios
Absorto pelos seios
Procrastinado, não me sai de mim
Envolvê-lo entre as pernas...
Talvez fôssemos azuis
Não houvessem tantos anseios
Amor precisa de mim
Pois, mais dia, enlaçaremo-nos num cântigo feliz
Nossas bordas e bocas e corpos vermelhos
Pulsando ainda o êxtase dos toques
Infindos
Eternamente...

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Comeu algumas pétalas da violeta que inventara.
De dentes arroxeados,
sorriu ao ver a cor de sépia ladear as nuvens
do céu gelado daquela cidade.

Quem sabe a chuva revigore egos vazios e fracos...

O fel apertou-lhe a garganta
E gotas salgaram seu rosto,
embeberam seu colo
Não se puderam amansar
Escorreram ao sabor do vento
Sem dissiparem-se de tão inteiras

Um rio veio correr por entre seus joelhos
E flutuaram suas lágrimas
no fulgor da água límpida
tão quanto um dia de verão em maio, 
As águas arrastaram-lhe ao infinito
Inundando seus olhos intumescidos.


   

quarta-feira, 11 de junho de 2008



Hoje não quero fibras entrecortadas...
Quero ruborescer de lábios
Deleites e provérbios
Recitados
Languidamente declamados

Quero cabelos roçando ombros
Toda saliva
Unhas escarlates
Tilintar de taças...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Ataque das Bruxas

Cruéis, insanas, enfadonhas
Abandonem-me bruxas!
Antes que corte estes pulsos sôfregos.

08/VI/08

terça-feira, 3 de junho de 2008

Hermética Estrela


Sou uma estrela apagada
De fuligem, pretume, lama e vaga luz
Calo-me gélida entre galáxias
Rosto vestido

Cabeça rodeada de letras prateadas
Não me pertencem
Subnitrato de traque são
Não possuir-las-ei
Em memórias de sei-não
Aparvalho-me se me devotam

Etéreos elogios denotarão

Que não há glória em quem costura lábios
Se mais pura maior o escasso

Se mais perto pior o fracasso

Inventaram-me por um simples momento de ócio
[Não existo!]
Pedra Burra Gelo Pavor Asco
Calada!

As letras me tomam

São letras alheias

As letras de prata

São letras roubadas
Ermas, CA-LA-DAS
Derramam-se sozinhas e pobres para dentro de meu nunca-mais

Ellen Joyce


02/06/08

domingo, 11 de maio de 2008



Deitada no meio da passagem da casa, repuxando, abocanhando o fôrro do sofá. Ela aprumava as patinhas e ora largava-as, tão pouco se importando se se soltassem do corpo. "É que me cansei por bastar". Aqueles olhos serenos, mais espertos do que um dia meu maior alarde permitiu-me ter. E tanto enérgicos. E um mundo me falavam. "É que tenho sede" - retrucava a língua dependurada a pingar no tapete. Eu então enchia a bacia de água só pra ver desaparecer seu focinho sedento.
Resolveu levantar-se (tinha alguém mordiscando sua orelha) antes que começasse aquela toda balbúrdia. Olhei-a, ela fitou-me. Nossas palavras invisíveis. O pêlo encontrou o afago repousado na mão. É que ficas assim, entendendo-me como nem eu mesma.
Ela não é "minha". Porque há de se pôr tantos pronomes, se respira e ama como eu? Aquele suspiro disse-me 'obrigada'. Todo meu afeto transbordou-se. Que dirá meu coração quando ouvir este balbucio?
De repente sacudiu-se pra espantar a mesmice. Correu pra rua num tempo só. Seu faro rastrejou amor dos seus. No ao longe, perto daquela árvore. Ele era robusto e "cheirava tão bem". Patas alongadas, ele esperava permissão, todo empertigado vi aproximar-se, ela reparava e talvez pensasse "será sim, será". E enrolaram-se num só laço. Pula, morde, salta. Sem pórens, pudores e pausas. Obedecem instintos. São livres até que o frenesi os acalme as vontades.
Ela volta com satisfação ofegante. Arritmia, mais sede, fome. "O que será que me puseram hoje?" Abanando-se inteira num quase sorriso. Ela é linda de se admirar...
E nos chamam 'humanos' sem perceber a vaga ambigüidade que guarda a imperfeição do substantivo...


Imagem: Shely

terça-feira, 22 de abril de 2008


O meu medo arrebata esta vaidade estúpida
Que limita, aflige e enfraquece minhas "raízes".

Essa vaidade sugadora que desespera e prolifera escassez.

E percebo, ilesa, que se espalharam pelo chão.

Avulsaram-se as cores pra delinear o branco mórbido da pele.
Sou menos que ninguém.
Se me arrancaram o encantamento daquele brilho tão intenso.

Se me despenco sem mais prévias.

E meu alter ego decompõe-se ainda plácido.
Medo sólido derretendo-se no desejo de recompor linhas perdidas
E o roxo fúnebre aparando as primeiras lágrimas

15/03/08

Vês a tenridade de todas as coisas? O tempo esgarçando-se por sobre o fantástico; A poesia do lírio, da pedra e do vidro... num toque, e de repente novos filósofos.
Vês a fronteira que nos separa do infinito? Um mar de matéria e descrença. De águas paradas e tácitas e mortas. Rasgando o véu do sonho. Navalha fiel dos limites.
Vês que perfeição defeituosa? O amargo alternando-se com o sabor natural. Goles de esperança pra estancar sofrimento. Sangue que é vida, seco que é morte.
Vês que já não tens aqueles olhos? Que se moldaram e já não choram incessantes. Flor de mágoas quase pronta em profundezas. Conforto pra perguntas que se foram esquecidas.
Vês quantas antíteses constituem a realidade? O dia feito sempre de últimos minutos. O bom Deus que se rebela contra os homens. Bem e mal em convergência eterna.
Quanta frialdade banha os caminhos vitais. Pois não deixe que teu rastro alastre apenas enganos, por fim, serás perda de sentidos, serás indiferente.

Comunhão entre plantio e colheita: complexa sutilidade. É dependente de gotas d'amor, paciência, capacidade de admirar-se e olvidar ervas daninhas, desfazer-se de tantas utilidades, caminhar sem pressa, matar o medo, sentir dor...
Não há fim...

Ellen Joyce
25/01/08

quarta-feira, 26 de março de 2008


...tantas flores vejo suspensas nessa essência de alma pura
E tanto sentimento casto
Platonicidade
E um outro lado
De begônias frescas e caracóis coloridos...
Coube tanto quanto pôde o pranto acatar o encanto no canto
Desse lábio doce

Ellen Joyce
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