terça-feira, 28 de agosto de 2007

Texto rasgado

, porque foi essa forma gritante que encontrei pra desdizer o que eu quero que você guarde. Assim risonha, amedrontada, triste, feliz e de coração saltitante. Deixar transparecer só a paz, aquela paz sem fórmula mágica que eu anseio por lhe entregar, a paz contida em tudo de mim que já é seu, mas que você ainda não sabe. Ou sabe, sempre soube, e quer deixar-me de novo o enigma.

Quis esconder dos outros, e fiz, e apaguei, e a mão desobedeceu, deixei só pra mim. Mais uma fraude onde me apoiar; fazer-me de forte.

É assim que ando por estes últimos dias, acesa só para saber de ti. E pensar numa voz incognoscível, num toque esboçado por instantes tão vagos. Uma força irreconhecível de tentar desprender o que já me tornei há tanto. Suspensa num ideal, numa utopia que preencheu meus vazios, agarrada na espera de um dia, o dia em que irei queimar sob a chuva rala. Há dias procuro na janela sinais desses bons tempos, mas o bom tempo insiste em enganar-me, não me deixa acreditar que ele existe. A água desvencilha-se do meu pedacinho de sertão sedento. E nunca chove...

Já não sei mais que novo universo fantástico materializou-se ao redor. Não sei se fui, se ainda sou, se serei, do presente. Eu sei é do amor, porque este infinda meu ser, mora comigo, me aquece o lamento, não deixa que eu morra. Minha incrível percepção pra essa confusa presença, eis que renasce o amor em manjedoura de ilusão. Vem assim tão desvairadamente que não se recorda de lavar-me os olhos, deixando-os apenas marejados, traiu-me outra vez. E não pude ver, (que) foi o amor...

Essa forma encontrei pra oprimir meu temor. Quis ocultar-me através de frases melífluas. Só pra desviar seu senso, tracejar minha imperfeição muitas e muitas vezes até que se tornasse imperceptível. Mergulhar no desejo de que você me ame terrivelmente, como que para desarmar toda resistência friável de que me vesti. Eu sei que só posso ser de quem me for leal. Assim mentalizo-te, sempre leal a toda palavra que lhe foi ofertada. Talvez o ame como nunca a ninguém, ou talvez ame tristemente uma idealização. Não quero que seja esse o fim, ou quem sabe esse fim seja o nosso começo.

p.s.: A vírgula inicial é proposital!

p.s.2: Depois de muita relutância publicado enfim!

p.s.3: Adotar ótica sensível!

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Se libertar

Opera-se uma perigosíssima e radical inversão de valores. A lente capaz de transformar a mais abjeta prisão no paraíso da liberdade, a prática mais asquerosa em paradigma de honradez, (...) tal lente, cuja substância é a ideologia destilada pelo capital financeiro, faz desaparecer o ser humano, substituído por uma sombra de si próprio, uma caricatura, uma risível miragem. Como se reduz a uma miragem aquilo que hoje se denomina "democracia".

José Arbex


Assim manteve-se aberta até que a releitura se fizesse gravada. Assim remodelarei meus conceitos básicos. Sugando todas as possibilidades, permitindo surgir a versatilidade necessária para minha melhor reconstrução. Como ao anexar novos elementos sobre o significado da palavra democracia. Desvinculando-me dos ideais um tanto fundamentalistas.
Essa é minha realidade (antes oculta). A esse modo de produção servirei, e meu baluarte será o conhecimento. Assim mesmo de casulo precocemente rasgado, não se entregar ao "triunfalismo ingênuo", e transformar, e persuadir, e evoluir, se libertar...

Ellen Joyce
24/08/07

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Do verde ao concreto

Aqui não tem poça pra pisar
Não tem árvore de casca dourada
Do verde ao concreto
Só muro, asco, teto
Não tem pés argênteos
Só tapetes, ferro putrefato
Não tem bicho
Pêlo que afague mão
De mãe nem colo, só chão
Não tem pra dedo segurar cruzado
Que aperte boca
Que belisque bocado
Não tem...
Aqui não se grita
Engole-se voz
Não se pode, não se pode
O canto do vento perde-se no escarcéu
As manhãs nos vestem de sal
Um pedaço de mundo não mais que trivial
Não existem olhos vizinhos
Cuidando do que se tem
E não se tem...
Aqui não tem sorriso familiar
Só indiferença disfarçada
O tempo escapa pela fechadura
Se envilece, mas se imprescinde
Enlameia-se de hipocrisia
Arranca as páginas dos livros
Volta amiúde cheio de tudo
E o tudo pendura-se nas costas
E faz-se ficar
Aqui meus rascunhos se tecem
pelas fibras de folhas amareladas
Caídas de um tronco enegrecido
E as palavras mergulham no obscuro
Para então desaguar num rio de esquecimento
Eis o novo lar

Ellen Joyce
02/08/07

terça-feira, 21 de agosto de 2007

...

Do alto desses tão longínquos dias vividos, em meio ao deslumbramento de tantas dúvidas caóticas, encontrei-me então, vasta de novos olhares e conceitos, com a sensibilidade aguçada. Cada amanhecer enche-me de novas reflexões. Mas ainda há resquícios da áurea pobre que hoje cresce inesperadamente.

[Esmiuçaram-me os versos, irromperam-me a fluidez].

Como vezes tantas outras, a protagonista de minha ruminação é a (má) essência humana. Quão difícil se tornou viver! Quão extensa é a dialética universal! De quantos escárnios vivem os miseráveis!

Uma densa atmosfera de mistérios corveja sobre meus pensamentos. Desta celulose tracejada de carbono sólido nascerão meus anseios saciados. Porque entre tantas eras e galáxias...? Explicai-me!

‘Não existem razões para estarmos vivos, todo fantástico que via na perfeição das coisas naturais é mero fator conseqüente da nossa programação mental. ’ De que massa fétida encefálica surge tamanha insensatez? E que indagação leviana a minha!

Minha maior inquietação é saber de onde brotam tão perversos sentimentos humanos. Inaceito a hipótese da perfídia nata. Ou, para ser mais flexível, poder-se-ia dizer que na construção dos princípios primordiais do ser aprendemos a sufocar nossa crueldade, assim sendo, torna-se mais provável a origem da toda aversão ao bem, cravada na natureza de tantos mortais. Muitos talvez não tenham solidificado o caráter.

Quantas lágrimas ensangüentadas vertem de meu silêncio infantil! Que luta a que travei: Rabiscar alguns absurdos numa tarde revoltante. Quanto progresso nas batalhas pessoais “revolucionárias”!

Sinto a linha tênue que me separa da loucura.

E que questionamento imbecil!

De que adianta meu espírito estar fora de minhas limitações rotineiras, se nada mais sou que mais uma peça deste poço de iniqüidade? De que valem aspirações por transformar a esmagadora realidade se estou fincada no fundo dessa condição bestial? Somos metonimicamente ruins?

Não! Posso me perder nesta dor pujante por pertencer a tal imundície, mas minha ESSÊNCIA desperta-me a ternura de quem traz um coração esperançoso. De que viverão meus similares se me deixar adormecer na escuridão da desistência? Buscarei incansavelmente solos férteis onde possa germinar a fé de quem um dia ousou gritar pela esperança!

Ellen Joyce

15/08/07

...

Um emaranhado de fios reluzia dourado por cima do travesseiro. Uns olhos melancólicos, os lábios gretados. No rosto o resultado indubitável de quem agonizava em meio a uma ansiedade constante. De certo, era o cansaço que enfim a tomara. O cansaço dos ávidos, d’aqueles que anseiam por conformar a realidade a seu próprio ver, aqueles que ainda carregam uma dualidade seca e querem tragar o mundo com tamanha sofreguidão.

Os membros derramados misturando-se com as nuances do lençol, relutantes ao comando do corpo. Parecia-lhe que não mais se ergueria, que toda a pele fundia-se com as fibras do algodão macio do colchão. E pensava em tudo que a aguardava depois da mísera porta do quarto. A espessura tão fina quanto uma acha lhe transmitia a falsa idéia de proteção.

Os olhos agora vivos, cheios de pensamentos, buscavam forças na escuridão silenciosa que se incrustara em sua alma. A verdade era única e incontestável. Não sabia viver. Deixara-se envolver por aquela incomensurável agitação de ânimos, oscilando entre perguntas cujas respostas vislumbravam ao longe. E com esforço descomunal, porém vil tentou alcançá-las antes que esvaecessem, entretanto respostas não são palpáveis, por um instante pensou tê-las entre as mãos, mas de tão etéreas elas rapidamente se foram para seu mundo efêmero. Um mundo que ela desconhecia.

Um raio atravessou uma nesga no teto. Veio então o sol para afagar-lhe o rosto e amansar toda tempestade íntima. De súbito encheu-se de luz todo seu refúgio.

E o novo dia despertou-a de volta à vida...

Ellen Joyce

26/06/2007