domingo, 28 de setembro de 2008

Feliz Aniversário


Vieram-me saudar
O despertar provocado pela dor óssea, o líquido celular dos intumescidos olhos marejados, a água e suas partículas, bocejos enfadonhentos, excreções desnecessárias, odores fujões, cheiro de bolo doce, risinhos, Cosme e Damião, contatos físicos estranhos, declarações não-forçadas, amido salgado, leite esquálido, pães muchibentos, umas doze vozes cantantes, panos umedecidos, pratos a tilintar, detergentes, espuma, cheiro enjoativo de côco (escorrendo como porra no emaranhado sujo), cinco presentes, quatro ligações, uma supermercado, duas reclamações, alguns juízos desejados, dinheiro, verduras frescas e bem-vindas, gosto de hortelã, votos virtuais, Aurora de róseos dedos, o judicioso Alcínoo, o divino Odisseu, Aquiles, Atena, Apolo, Elatreu, desinfetantes, flanelas, vassouras, pás, paredes, pias, poeira, escovas, esponjas, vidros, tapetes, dimensões terceiras, tédio renitente, distâncias proclamadas e tristes, nó de garganta, embirramento, conclusões espersas, horas, perdas, surpresas falsas, reprovações, impermissões, substantivos pesados, chocolate pegajoso assemelhando-se a excrementos, bolo de água-ardente, engolimentos, sorriso rasgado, literatura fajuta, desenhos de luz solitários, uma festinha de lágrimas.
Tão cabisbaixa que feliz, tão taciturna que feliz, tão não-lugar, tão não-aqui que feliz, de chorar.
Esfarelar-me-ei nas ironias dos melhores dias das décadas incompletas...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Poema Sujo

Tinha os traços cortados de um rosto imediatamente feroz
E lâminas desperfiladas correndo entre o maxilar varonil
Uma boca determinada no vértice dum crânio vil
E uma fina, escassa e vazia voz

Violentar-nos-íamos em labaredas asquerosas
Cobertos dum amor falso e friável
Era mais por fincar o que nos fosse proibido
Antes me fosse um pouco mais maleável
Teria-me diluído num frasco de absinto
Sem haver de perceber quão odioso o era
Palavras desperdiçadas num ouvido imundo
E uma língua grotesca a relatar fatos sucintos

Sua estranha beleza pérfida
Há muito não povoa, provoca ou pede
Apenas reduz-se a linhas vagas
Esquecidas, ínfimas, se perdem

O inodoro cuspe escorre lancinante numa outra face

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O Pintor

Tudo começou num desenho
A coxa que subia aveludada
O busto rosado comovente
O pincel correndo suave sem desatentos
Até o pormenor do pêlo crespo contrastante
O rosto memorizando miudezas
Os olhos apalpando a nudez
Ele mira, a boca seca
A moça intacta e sua pele reluzente
Os cabelos mal cobriam-na
Seu lábio duro
Ainda insiste: é arte!
Ele perscruta-a como jamais
A moça irrequieta...
Mais uma pincelada amortece mitigante
Uma pausa, outro olhar
A moça compreende confusa
Solta os lençóis vermelhos
E desce...