sábado, 5 de dezembro de 2015

2+2= cinco

Já não há mais
paciência, falta, sentimento,
coisa alguma
Andamos os amigos apartados,
cansados de ver, tocar, unir,
através dos destroços de corpos pretos
e rios de sangue grossos mas invisíveis.
O meu irmão que foi embora e nunca mais retornará...
Não sinto medo, nem raiva,
a revolta partiu-se em quatrocentos pedaços de alma
Não sinto nada.
Quero fazer um poema escuro como a ausência
para não ver as crianças dependuradas,
os camburões que passam apinhados,
o percurso de cento e onze balas
estilhaçarem uma carne barata
O pensamento tomba como duas mil correntes
sobre o corpo que já não pode aquietar-se
Cada grito descomedido que ecoa
na padaria, no táxi, na fila, nas redes, nas casas
produz um reduto fascista.
Num mundo fascista, as coisas desacontecem.
Tiram-nos a morte das mãos
A morte e a violência não são assuntos para a nossa civilidade
São ditames para o poder, são armas exclusivas para o estado.
A quem, por injúria ou desatino, anda de olhos escancarados
não resta sequer a dormência, a inércia, a pausa.