sábado, 27 de julho de 2013

A mãe é uma casa

O tempo em que uma criança mama é um tempo de conjugar. Uma transição dolorosa, mas cheia de esplendor. Uma maneira de prolongar cordões rupturados, a forma primeira de amor e enlevo.

Minha mãe amamentou-me por quatro anos. Ela me chamava, eu fazia meu ninho, e chupava os mamilos sem leite, porque era tudo que sabia fazer. Depois eu cantava as músicas da escola - encontrei uma casinha enfeitada de cupim - ela não queria perder o que havia para além do peito. Eu era fácil de ser lida, era calma e sem grandes medos.

Mas um dia, meu pai começou a debochar aquele ritual arrastado, aquela insistência e recusa. Eu me lembro apenas de ouvir palavras meio imodestas, como 'mocinha'. E não poderei precisar se minha atitude foi irrefletida, se eco, se culpa, se tédio, se medo crescendo...
Então, numa tarde, naquele quarto, eu disse não a minha mãe, um não que fez a primeira fresta na nossa casa, a primeira rachadura, a primeira partida. E ela chorou baixinho as antigas lágrimas de mãe, e mostrou sua tristeza apenas para os seus santos rosários.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Estrelinha pia-pia

Já tem muitos tempos que os ossos estão fraquinhos. O pulso treme, as células se morrem e nem se vê. Acabou o são cabelo na cabeça, cresceu uma penugem no rosto. Será que é pecado de Deus? Sofrimento é uma palavra vasta que eu acabei de desconhecer. Não sei mais de muita coisa, a gente desaprende muito rápido. Quantas coisas foram feitas para não ser compreendidas?
Agora que o anjo voltou pro céu (que paz mais rosada), vejo gente larga-larga no universo, tem dor, mas tem força. E eu não sei nem chorar.

(dois anos)

Eu rezei por você, nunca saberei se o suficiente, nunca disse o que quer que fosse preciso, eu nunca digo, mas sei que te amo, você está num bom lugar e não sofre mais, eu estou feliz.

É preciso matar o anjo da casa

Aos cinco anos de idade, eu era verdadeiramente um anjo na casa. As minhas asas atabalhoadas fizeram ir ao chão muitas bonecas de porcelana. Ainda não havia completado um ano e quebrei a vidraça de uma mesinha num só golpe de tornozelo, não me feri e minha mãe achou mesmo que estava feito milagre. Porque eu era um bebê bonito e vi muito rosto admirado, a minha mãe era risonha, maravilhada que logo ela tivesse parido um anjo loiro. Até quebranto tive, mas me rezaram. A enfermeira no hospital fez graça com meu pai, queria me levar. Ele disse que uma coisa tão bem feita não se dá a qualquer um assim. Aí, lá para os sete, eu já podia usar batom, ganhei um kit de aniversário e a casinha completa da Barbie. Depois enjoei daquele quarto todo rosa, a boa verdade é que nunca gostei, não tinha idade pra isso. Com uns dez, minha mãe me botou para lavar pratos, ponto de cruz eu achava coisa de velha, mas ela insistia. Então, entrou um senhor na nossa vendinha e me viu de agulha e pano de prato na mão, achou de fazer a ressalva: 'menina prendada!' Achei uma ofensa! Lembro que fechei muito a cara. E nunca mais cruzei um ponto na vida. Então foi mais ou menos por aí que fui deixando de ser o anjo na casa.