quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ouça, Amor

Oh, meu Amor, tu não germinas mais consoantes no meu ventre. Mordi a tua boca como se morde poema gordo, no entanto, o que escorreu era ralo e tão vago que cuspi ao chão um crisântemo velho, aquele pegajoso crisântemo inodoro. E senti o útero secar-se...

Porque tu não vais embora ao invés de misturar-se neste ninho de pathos? Ah, maldito Amor ardiloso ascendendo minhas dores sepulcrais.

Deixa, Amor, meu coração ser oco. Deixa ser aborto esse morto, que minha solução é o nada.

Ouça, Amor,
Esquecer é trair

É inútil o imperativo ou a súplica se nada te posso dedicar...





Imagem: (Conrad Roset)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ouve, Rute

Ouve, Rute, apenas ouve e lembra-te do grande olho estriado que pende do teto do mundo – mistério gozoso que inunda grosso o charco do corpo estortegado e retorna incólume ao seu lugar nenhum.  Sede paciente, Rute, e ouve do olho espiralado o silêncio do seu nome que desaba sobre os tetos das casas vazias, inundando pegajoso as telhas para pingar – pouco a pouco a pouco – no chão cru do de dentro. Volve à olaria do teu pai e indaga ao barro marcado, abocanha a consoantes e vogais, enterra em teu ventre todos os sons e ainda assim não vais parir o nome do olho inamovível.
Acalma-te, parva Rute, e ouve tudo o que é inominável – inútil inquietar-se tanto, tu não te moves de ti -, apenas ouve e lembra-te do grande olho.

Joana Castro




Imagem: Capa de P•U•L•S•E - Pink Floyd

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Delgadina

O teu peito é quase doce
De camélias e frutos silvestres
Oh, não te movas, derrames!
Oh, não te movas de mim!
A minha língua goteja flambante
No quente fulgor do carmim.

Quando no leito, sejas
Maduro punhado-cereja
Que o licor ruboresça meus lábios!
E deixa, deixa sangrar madureza,
O sofrer que é deleite e enseja
A louca libido dos sábios.

Delgadina, Delgadina,
Que para seres rubi
Deixa cravejar-te meu falo.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Melancor












A tinta é branca
Do branco mais senil...
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Porque o poeta tem gosto natural por tristeza
E a beleza é o que vem depois