terça-feira, 4 de abril de 2023

 A luz entrando agora pela janela do ônibus às cinco da tarde de um fevereiro em brasa, queria poder fotografar. O mato da estrada é de um verde iluminado. Pequenas lagoas e poças douradas aparecem de vez em quando. As árvores de copas redondas, o céu morrendo claro e escuro, deslumbrante, parece um desenho. O sol se escondeu numa nuvem que ficou com a borda toda brilhosa.

Eu não posso ler por que meu pensamento fica desorganizado, por que estou embevecida pelas cores da paisagem e excitada demais para me concentrar. Você entra no meio das frases, minha cabeça insiste um pouco, mas acabei deixando o livro de lado. Reencontrei bem devagar cada memória do que fizemos. Ocorreu-me que preciso voltar a ser como criança para que meu coração se deite naquele momento, sem pressa, sem saltar para o futuro, que sequer existe. Quero no seu corpo fazer uma festa, sem metáforas, compartilhar tantas outras paisagens, acordar, cozinhar e dançar e beijar e foder e voltar a cozinhar. 

Quero ouvir você me contar sua história, tudo, desde o começo, como se fosse possível, desde o primeiro território que você habitou quando chegou ao mundo. Quero saber como a arte te transforma. Qual foi a última vez que você chorou? Você ergue as mãos ao rosto para aparar as próprias lágrimas? O que somos nós dois? O que você sente quando pinta? Pinta aqui meu corpo! Eu gosto do seu nome na minha boca. Eu posso me mostrar pra você? Eu posso? Você vai tratar com a delicadeza que você parece ter?

Não sei, não sei, não sei. Mas ainda um dia todas essas perguntas feitas de ar... 

Agora preciso dormir. 

 

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