domingo, 17 de dezembro de 2023

A coisa mais triste da vida é amar o outro, mas não saber fazer o outro se sentir amado. Trazer o amor dentro de si, mas não saber comunicá-lo. Então maltrata porque aprendeu, quando criança, que as formas de estar no mundo passam somente por esse caminho. Machuca na intenção de ajudar, ofende na intenção de corrigir. É o amor transformado n'outra coisa desastrosa já muito distante do que deveria ser. Você construiu uma caixa muito muito pequena para caber seu objeto de amor, você precisou comprimi-lo, e ele, por sobrevivência, se apequenou, cortando partes de si que você não desejava. De repente, você acorda e já não reconhece mais nada. O amor adoeceu, e resultou em algo muitíssimo perigoso: o outro já não consegue mostrar quais são seus limites, o outro se apartou de sua percepção de autovalor, porque se desconectou de sua verdadeira essência. 

E tantos anos vão passando nessa maneira de se comportar, que a dinâmica se cristaliza. No entanto, em algum ponto da árvore genealógica, alguém irá, por forças maiores, mover montanhas nas costas para quebrar estes cristais.

A coisa mais triste da vida é amar o outro e não saber aceitá-lo, o que é o mesmo que um anti-amor. Porque o amor abre-nos as portas para nós mesmos, dá-nos liberdade para sermos quem somos. E é só assim que se pode descansar.

Por isso, não desperdice sua vida odiando aqueles que você mais ama, os mais próximos, tão íntimos que não lhe custa nada deixar as gentilezas de lado, como se fossem apenas cerimônias desnecessárias, tão íntimos que o grito atravessa a sala cada dia mais, até se tornar habitual. Não desperdice sua vida reclamando com o outro, exaustivamente, por ele não ser aquilo que você idealizou, por ele estar fora do seu controle. O outro não é um papel a ser exercido no seu projeto de vida feliz.

Por isso, procure honestamente depurar as tuas próprias feridas. Retire a violência das tuas ações, e faça-a repulsiva novamente. Afaste-se dela. Toque nos teus sentimentos todos com dignidade, mesmo que seja excruciante. Toda dor um dia se acaba. Cure essa forma inumana de amor ultrapassado, não permita, peço-te de mãos unidas, que essa herança terrível alcance crianças sadias. Quero que guarde essa premissa: só nos tornamos capazes de amar na medida em que amamos a nós mesmos, mas quando não temos a mais vaga ideia de quem somos, isso se  torna inapelavelmente impossível. Vamos quebrar estes ciclos nefastos. 


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