Há dias em que
pego o coração com a mão
e ele está quase sumindo
Basta que sejam as flores pequenininhas
arrumadas muito singelas
no bolso do terno de algum velhinho
cujas rugas adornam dois cristais ainda ingênuos
Basta que seja a vontade
de uma moça fotógrafa
de olhar novamente para um animal
no caminho do sacrifício
e afagá-lo pela última vez
Basta que seja uma noiva recém abandonada
posta no meio da praça
a catar pedrinhas sem nenhuma importância
e um suspiro de alívio nos lábios
Basta que seja uma canção
que dizemos divina
por faltar palavras bastantes
ecoar de um lugar tão distante
como a própria imaginação
Ou mesmo a luta entre um peixe e um homem
que tem todos os dedos cortados de anzol
e fome
Basta ainda que seja uma criança nascendo
por entre espumas e pétalas de rosas
a olhar, através da água,
o mundo pela primeira vez
Ou - muito menos -
a chuva brilhando um arco-íris
através da luz do dia
Examino com delicadeza
um coração cansado de comover-se
lavo-lhe as mágoas
no rio que corre em nossa casa
Amanhã, outra fibra irá se despetalar