domingo, 27 de dezembro de 2020
terça-feira, 1 de dezembro de 2020
Sou mãe e escritora
Sei que tenho filho e escrevo
É a mesma loucura de quando estava grávida
E não sabia se de mim sairia um crocodilo.
É difícil assimilar
realidade tão devastadora
No entanto, a navalha da materialidade é perversa...
Não.
A navalha da materialidade corta a minha carne para que eu sinta que sou de verdade.
E que estou inteira.
domingo, 9 de agosto de 2020
Desejos para minha filha
Não sei se te devo aconselhar
Por isso escolhi a palavra desejo
Pressinto que o meu papel deva ser contrário a tudo isso
Apenas pressinto
Desejo que você consiga proteger os seus filhos
Mesmo que eu não tenha demonstrado como fazê-lo
Mas continuo tentando
Ainda espero
Tudo é muito novo para mim
Compreendi que
minhas tentativas de defesa foram exaustivamente caladas
Desejo avós melhores para seus filhos
Que te respeitem primordialmente
E reconheçam a mãe que há em você
Irei me reconstruir para isso
Que o seu não seja fogo
E arda em crispações cada vez maiores
Que você sinta a plenitude
De ser compreendida
Apesar de tudo
Sem precisar manter
a sua verdade congelada
Pela resiliência
De se fazer forte
Que você seja inteira
Uma mulher agarrada aos seus desejos
Sem recuar
Sem pedir desculpas
Estes são os meus anseios.
segunda-feira, 29 de junho de 2020
Marido e mulher
Alguma coisa adormecida entre suas orelhas a fazia secretamente desconfiada
Alguns sinais são claros
Outros, o feminino nos obscurece
A mulher já não se espantou tanto quando teve vontade de apertar a garganta do marido até... enfim
Crescia-lhe ódio pelo desequilíbrio
Como era feio esse marido cego e inútil
Como era feio esse marido
A mulher percebeu a inapetência
E disse foda-se
Mato a feiúra e parto na próxima van pós-pandemia
para comprar cigarros
Os cabelos tingidos de roxo
Não se pode nem mesmo terminar um poema
Ser mulher é uma violência sem fim.
quarta-feira, 29 de abril de 2020
Escuta as lágrimas que caem
Inundando tudo...
Não, não
Descansa
Descansa de usar o corpo
Que nunca te coube
Dorme
Aí tem árvores imensas?
Eu precisava saber
Não, não
Esqueça
Eu não quero que me responda
Esse é só meu jeito de preencher o ar
As luzes do teatro do mundo
se apagaram finalmente
Escuta o apelo das pedras
No bolso do casaco
Não você, Iohana,
O leitor
Estou apenas sendo contemporânea
Ana
Florbela
Silvia
Medeia
Uma tragédia
Sem o último ato
Mas deixa o ato de ser o último
Só porque não o sabíamos?
Hilda esteve rouca
De tanto chamar por você
Ela já tem um novo lar
E nós
Estamos há 35 dias devassados
Entre estilhaços
Sombrios
Sem teto
E você, como está?
A pergunta veio dolorosamente atrasada
Diga-me: É isto liberdade?
Existe o nada?
Eu precisava...
Já chega, sim?
Não vim despejar minhas necessidades
Fiz poemas para salvar você
Mesmo que agora só exista o caos
Desculpa, Iohana
Descansa
Você vive dentro do meu amor
Não espero mais que me perdoe
por essa vida que me nego a tirar-te.
Eu não posso suportar
que você não exista
que eu não me lembre
da última frase que você me disse
Não suporto saber
que eu não estava lá
E tampouco estou agora
Eu te amo, Juju
Dorme teu sono justo
sábado, 29 de fevereiro de 2020
O verdadeiro desastre
é deixar um bebê chorar
sozinho no universo
tecendo a noite com o fio do desamparo
É supor que a borboleta prefere
que rasguem-lhe o casulo
É isso que estão a fazer
nestes tempos tecnológicos
As mulheres veem os lobos a correr
e não lhes seguem
Elas também quebradas por dentro
há muitos séculos
A maior violência
mãe de todas as outras
É não saber amar aqueles
que vieram do teu ventre
E os que não
Todos os seres são carne de tua carne
Está é uma verdade quase impossível de alcançar
O planeta é desastroso.
Uma luz e outra
não pode dar luz também ao pai
Pois a luz que se dá ao homem queima-o
E o deixa em total escuridão
Toda a luz está para o filho
Como todo pai deve estar para a mãe
Pois, afinal, já não temos aldeias
Por que é tão difícil cuidar?
Coragem
a todos os amigos
que nasceram escritores e,
por força capital,
acabaram por se tornar
professores de língua portuguesa
Heterodoxos por fatalidade congênita,
mas não custa lembrar,
o nosso amor pela palavra é capaz de acender o coração do outro
Por isso é imprescindível,
É urgente
Façamos um livro para o mundo
Nada importa mais que assumir seu destino
E deixar aqui o filho, a árvore, o sangue
Um livro
Para o futuro que jamais seremos
Só assim, despidos,
Poderemos acariciar os cabelos de deus