domingo, 5 de maio de 2024

Nunca antes tive tanta pulsão de vida. Quando ele chegou, tinha faíscas no olhar, grande lascívia e graça, do jeito que eu gosto. Mas - por que precisa haver sempre um mas? - o vento que passava foi soprando aquele começo. A brasa, em lugar de avivar-se, virou breve cinza.

Numa das manhãs em que nos devorávamos por toda a madrugada, ele suspirava várias vezes, com certo desalento. Me deu beijos como quem estava com saudade ou como quem se despede, com uma ternura triste, muitas palavras nos olhos e poucas palavras na boca. Ele também me disse, enigmaticamente e pedindo segredo, que de vez em quando pensa em morrer. Foi quando me senti mais perto dele do que em nenhum outro momento. Queria abraçar uma expectativa de mundo já em ruínas. Proteger, cuidar, zelar, como uma mãe. Pousar as duas mãos na sua barba, como forma de convite. Apesar de saber, desde o ponto de partida, o quanto isso tudo era errado. Não era a possibilidade da morte que me assustava, muito pelo contrário, disso eu muito entendia, era a recusa, a sua fuga, o seu movimento confuso de estar e não estar. Então, recordei os mais sábios conselhos, como sair das circunstâncias com a maior dignidade que me for possível?

Nos lábios daquela hora perdida, percebi tristemente que eu, tão vivaz, havia me apaixonado por um homem irreversivelmente cheio de pulsão de morte.

E eu não posso, não devo e jamais conseguiria curá-lo.

Assim, reuni algumas antigas dores, algumas lágrimas ridículas, o peso no coração, a paixão recém-nascida e retirei-lhes o alimento. 

Saí, sentei à porta do meu jardim, em posição embrionária, tudo bem, vou recomeçar, a vida é para ser recomeçada sempre. Essa ferida às vezes não sara nunca, mas (por que é preciso que haja sempre um mas) às vezes sara amanhã.

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