segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Fevereiro, 2023

Escrevo este exercício para me ajudar a não retroceder

Eu estou tentando sair de um relacionamento abusivo porque

Eu não sou a mulher que ele quis me fazer acreditar que sou

Nenhum homem deve tentar alterar ou moldar a percepção que temos sobre nós mesmas

Eu estava anulando minha individualidade 

Eu não me sentia plenamente livre

Eu fui desrespeitada muitas vezes

Eu jamais soube dos meus limites

Por isso eles foram tantas e tantas vezes atravessados por todos

Eu me sentia profundamente sozinha

Eu naturalizei a violência que sofro

Ele usa a minha vulnerabilidade contra mim

Ele me enxerga como uma criança desamparada

Ele usa tratamento de gelo ou hostilidade como punição por comportamentos meus

Ele gosta de estar no controle e de sentir que tem poder sobre mim

Ele me acusa de praticar os abusos que ele faz

Ele invadiu minha privacidade mais de uma vez

Eu estou ansiosa em todo esse processo

Ansiosa e confusa, insegura, nervosa, machucada, raivosa, triste

Sem saber como não deixar que ele me acesse

Como se isso fosse impossível 

domingo, 22 de dezembro de 2024

Moro num país de terras quentes. Cresci entre o cerrado e a lonjura do mar, na mágica Bahia. Anuncia-se hoje a chegada do verão e as pessoas procuram se despir da dura casca que lhes oprimia os desejos. O verão é um convite para uma vida mais vermelha. Mas eu não posso fazer parte disso. Não posso agora rir de uma vida desgraçada que se arrastou pelo ano, porque não a tive. Não posso finalmente retirar o sutiã para respirar, porque, esse ano, nada me prendeu. Eu não posso me despedir de uma dureza que não esteve comigo. Eu fui verão o ano todo. 

Dizem que os bons sentimentos não produzem bons poemas. E eu lhes digo que cada poema estará impregnado do sumo da alma de cada poeta, todos têm seu sabor. Essa é a beleza. Eu só posso entregar-lhes poemas doces, morangos pelos campos, pêssegos aveludados, mangueiras carregadas, maçãs banhadas de luz, é assim que me sinto. No meu país, não anseio pela chegada do verão, porque fiz do meu coração um sol. Quando chove, fico a olhar o arco-íris.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Hoje, cheguei em casa, joguei as chaves, sentei-me para afagar o cachorro. Veio minha filha, ela comia uma espiga de milho cozido. Olhei-a. Um lado de seu cabelo pendia suavemente atrás da orelha, ela estava ocupada a comer, grão por grão, distraída, tem seis anos de mundo apenas e já tanta destreza. Meus olhos encheram-se de uma emoção incontinente. E meus pensamentos voaram pela plenitude do amor por aquela criança. Toda declaração que me veio à boca parou ali e eu emudeci. Nada seria o bastante.

Tomara que ela nunca se perca de mim, que eu não me perca dela, que eu não me perca de mim tentando não me perder dela, tomara que ela nunca se perca de si.

Fui imensamente feliz naquele momento, brincando com o cachorro, uma espiga e minha filha. Apareceu, então, uma breve melancolia ao olhar para meu passado, vendo-me nela, uma menina adorável e inteligente, grande e linda. Refiz o percurso como quem perde um brinco no parque, procurei-me. Tentei saber em que ponto eu deixei de ser uma criança amada para me transformar numa mulher. Na medida em que eu deixei de ser uma sombra, meus pais ficaram para trás, sem saber como lidar comigo. Cada vez mais, e mais, até me desconhecerem, até se tornarem estranhos.

O que posso eu fazer para que minha filha nunca precise pagar este preço?

Não há garantias. Posso amá-la ferozmente e devotar toda a minha alma em seu crescimento. Não há garantias. Por isso, cada hora ao seu lado é dourada.